A favela fala para o mundo, por Valéria Barbosa

Rio de Janeiro, Brasil, lugar onde há muitas belezas naturais inseridas na visível divisão de classes. A relação de poder entra em todos os lares por meio da mídia, mídia administrada por poucas e ricas famílias. Nas mídias tradicionais existentes no estado, a notícia é retratada de forma a fortalecer os estereótipos sociais, onde a pessoa em situação de pobreza é responsabilizada por balas perdidas, e não se vê retratada de forma correta como protagonistas das notícias divulgadas.

Por se sentir refém da opinião da mídia tradicional a população das favelas ao longo de décadas vem desenvolvendo recursos para ampliar a comunicação em seus contextos. Aprenderam com escravos que foram trazidos na época da colonização do Brasil, no ano de 1500, eles falavam vários dialetos eram de tribos diferentes, foram distribuídos pelo colonizador por várias regiões do país misturando estas tribos. O intuito era dificultar a comunicação entre os mesmos. Os negros trazidos para a pátria Brasil utilizaram de toda a criatividade para traçar na história recursos criativos para preservarem sua cultura, identidade, fé e sobreviver ao poder.

A maioria da população que vive nas favelas é de negros e que imigram das várias regiões do país e que como seus ancestrais criam formas de contribuir com o desenvolvimento local.

Como um povo com mordaça poderá evoluir? O medo é uma mordaça!

As comunidades por sentirem necessidade de serem ouvidas e ou de mostrar a verdade sobre sua população criam as mídias comunitárias.

A população das favelas não se sentia representadas pela mídia tradicional e optaram em criar dentro de suas comunidades espaços para discutir temas do interesse local, como as necessidades de saneamento básico, educação, violência, abordagem policial, saúde; assuntos que incomodassem ou merecessem divulgação.

Como falar dos problemas do local? Com quem falar destes problemas?

Os questionamentos serviram para emergir formas de se comunicar nestas comunidades. Desta forma, por conta da necessidade de falar, de não se sentir representado na grande mídia o próprio morador da favela cria a comunicação comunitária.

O que é mídia comunitária? O que está mudando no estado em relação à mídia comunitária? Qual a influência da Mídia Comunitária para as comunidades do Rio de Janeiro? Estas perguntas foram levantadas no calor das discussões do 1° Seminário sobre Mídias comunitárias, realizado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e pela Universidade Pontifícia Católica do Rio de Janeiro entre os dias 16 e 19 de outubro. A ideia do Seminário partiu de duas alunas que tinham em comum uma vontade muito grande de dar voz a favela e em suas graduações, em Comunicação Social e Jornalismo, sentiam na própria pele o desconforto entre suas falas e a fala da universidade.

Há 13 anos no contato direto com o Jornal comunitário O Cidadão, jornal do local a em que reside, na favela da Maré no Rio de Janeiro, Gizele Martins, aluna de jornalismo da PUC, descobriu a comunicação comunitária; primeiro como leitora desde o 1° exemplar do jornal, já na adolescência se apropriou desta forma de comunicação como participante ativa do jornal.

É uma das idealizadoras do Seminário que reuniu representantes da área de comunicação da Região Sudeste em especial do Rio de Janeiro para falarem sobre a comunicação comunitária, as dificuldades que os grupos vivenciam para dar continuidade ao fomento desta comunicação.

A favela onde reside localiza-se próxima ao aeroporto Antônio Carlos Jobim na zona norte. Formada por 16 favelas é um conjunto com 132 mil habitantes, Censo2000/ IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),

Para Gizele Martins, a mídia comunitária tem o papel de mobilizar e fazer com que os moradores se mobilizem para intervir tanto em questões como a de um buraco na rua, quanto em eventos de maiores proporções. Quando a comunidade tem uma rádio comunitária, um blog, um jornal e/ou participa das redes sociais locais esta comunidade se fortalece diz Gizele.

“Um Jornal Comunitário, consegue fazer também um serviço para a comunidade, indo na Associação de Moradores, na prefeitura, ouvindo a Prefeitura, ou até em grandes momentos. Na Maré, nós passamos por dois assassinatos; policiais mataram uma criança e um jovem. O jornal O Cidadão fez a denuncia, conseguimos que aqueles assassinatos não ficassem ali parados, escondidos como tantos outros são.

Somos nós que fazemos a nossa linha editorial, a gente defende que não é só mais um assassinato, é mais um morador, mais um comunicador, mais um preto, pobre, favelado é mais um que está ali e que nós precisamos defender. A vida, os direitos humanos, defender a liberdade de expressão. Que precisamos a partir destes assassinatos buscar respostas, ou seja, tanto para os pequenos problemas como o buraco na rua ou a cobertura de problemas como este. Também queremos mostrar a nossa alegria, a nossa identidade cultural, o nosso churrasco na laje, nosso funk, nosso forró, nosso pagode, toda aquela identidade cultural que nos foi negada pela sociedade e negada pela mídia tradicional.

Existe uma criminalização da pobreza e o objetivo é sempre diminuir a gente, individualizar a gente. A comunicação comunitária faz o contrário.

“Na minha existência a comunicação comunitária serve como fonte de vida. É pela comunicação comunitária que eu defendo a minha identidade, que eu defendo o meu cabelo enrolado, a minha cor de pele, o meu jeito de ser. A Comunicação Comunitária me move se não fosse por ela não sei se estaria em qualquer outro movimento”.

A mídia comunitária trás elementos importantes para que a comunicação comunitária aconteça. É uma forma encontrada para fazer circular as informações naquele local. Deve falar para todos, levando em consideração as diferenças, é preciso ampliar as estratégias para alcançar um maior número de participantes neste processo.

Os elementos utilizados são a voz, as rádios comunitárias, as redes sociais, os blogs, os eventos locais e os jornais comunitários a mensagem é levada independente de o receptor ser letrado ou não.

Os jornais comunitários devem ter uma linguagem simples, pouco texto e fotos, deve ter uma linguagem clara tanto nos textos quanto nas imagens que fortaleça e represente aquela comunidade, que aborde assuntos diversos sejam de saúde, educação, culinária, entretenimento, valores culturais e sociais do contexto. O morador tem que se sentir representado naquele meio de comunicação. O morador pode e deve sugerir pauta e participar como um comunicador.

Para Helcimar Lopes morador do complexo de favelas do Alemão, comunidade formada por 12 favelas que circundam 5 bairros da zona Norte, com uma população de 200 mil habitantes segundo dados do IBGE/2010, produtor cultural que trabalha em sua própria comunidade na ONG Raízes e Movimentos na área administrativa: “Com uma simples frase, você consegue se comunicar, dar um aviso. Tem que ser um texto bem simples para que o povo entenda.”

Helcimar falou que no Complexo do Alemão há grande comunicação através das redes sociais, a comunidade tem o Jornal Voz da Comunidade; a Rádio Mulher, que além de abordar temas específicos sobre mulheres, abrange com prioridade assuntos de interesses dos moradores do local. Citou que em 2010, um jovem de apenas 17 anos, Rene Silva morador do Morro do Adeus, uma das favelas do Complexo do Alemão, e um dos fundadores do jornal local quando tinha apenas 11 anos, twittou em tempo real a invasão da polícia na favela, no dia 27 de novembro de 2010. O twitter do jornal passou de 180 seguidores para mais de 20 mil seguidores. Rene conseguiu trazer a mídia tradicional para dentro da favela e todos os holofotes da grande mídia puderam em tempo real e seguro repassar a informação em rede nacional.

Na favela da Cidade de Deus, localizada na zona Oeste do Rio de Janeiro vivem cerca de 38 mil habitantes segundo dados do IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, em pesquisa realizada em 2010, neste mesmo ano a comunidade fundou um jornal feito por seus próprios moradores, depois de um curso oferecido pelo Núcleo de Solidariedade Técnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desde então a SOLTEC/UFRJ vem acompanhando o desenvolvimento do Jornal A Notícia Por Quem Vive. Segundo Marília Gonçalves, jornalista, representante do SOLTEC/UFRJ e uma das fundadoras do Jornal. “a gente tem um problema muito grave que foi falado na mesa do Seminário que é a representação.”

“Há uma grande concentração da propriedade dos meios de comunicação entre poucas pessoas de uma mesma família, falando sobre um número muito grande de pessoas e isto ocorre há muito tempo. O problema está piorando agora porque estas poucas pessoas, estes poucos meios de comunicação comerciais ainda querem se apropriar da fala comunitária. Deixam a pessoa da comunidade falar, mas falar o que eles querem que seja dito.”

“Pra isto é muito importante criar meios de comunicação comunitária, tem que ter espaços onde as pessoas possam falar o que querem e é necessário ser falado. Só elas sabem o que devem falar. Quando eu vou para a Cidade de Deus e participo da criação do jornal eu não sei o

que vai ser falado, eu quero incentivar que o jornal seja autônomo e faça suas escolhas e opções pela sua linha editorial. Que tenha o máximo de autonomia possível. Dá-me muito orgulho saber que o jornal foi criado, que as pessoas discutem e por mais que o jornal seja impresso trimestralmente por falta de recursos financeiros, as pessoas estão se encontrando, discutindo e decidindo juntas.”

“É um processo de construção da autonomia que é muito maior que o jornalismo, é muito maior do que a comunicação social.”

Segundo o escritor e professor da PUC e da UERJ um dos facilitadores deste Seminário de comunicação comunitária, professor Adair Rocha, “Claro que a Comunicação Comunitária tem uma importância local a partir daquele espaço que ela está falando, que pode ser um espaço físico, identitário, territorial do sentido mais amplo da cidade”.

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Há espaços que precisam de muito mais articulação, organização. Nestes espaços, da rádio comunitária, dos jornais, das redes sociais há formas encontradas hoje para que se coloque cada vez mais a Cidade em cheque. Não apenas aqueles espaços. Desta forma se tem a visão da praticidade a partir do lugar onde esta se denunciando ou anunciando, as notícias passam a ter uma importância muito maior, bem como há um despertar para a capacidade que todos tem de analisar, de reverter os processos. Vai fazer com que não só aquele espaço onde ocorrem os fatos, mas, toda a cidade passe a sofre mudanças. A comunicação comunitária é a expressão de um espaço que interferirá nos diversos sistemas de seu país.”

A maior beleza de uma cidade, de um país é o seu povo, com todas as diferenças de raça, credo religioso, sociais, educacionais, culturais; somente um povo que reconhece os seus direitos e os seus deveres poderá lutar pelo espaço onde vive e se sentir parte do mesmo. O povo compõe o cenário da vida, da história e cabe para este a responsabilidade de seus atos de sua fala e do seu silêncio. Porém quando lhe é cerceado, manipulado o direito de expressão e de se inserir no desenvolvimento de sua espécie, ele, o povo, seja de qualquer nação, se sente enfraquecido, discriminado, impotente para resolver os seus próprios problemas, quiçá de sua comunidade, município, estado ou pátria. Sequer será capaz de utilizar com conhecimento o seu direito de voto, permitindo que o monopólio do poder seja favorecido.

Um povo que discute, que interage no seu contexto comunitário, é capaz de ajudar alavancar o desenvolvimento local bem como a sua própria autonomia. A mídia comunitária é um meio para dar voz a uma minoria, as suas ferramentas podem ser socializadas por quem já está neste processo e ela pode adentrar nos lares e levar as boas novas da educação, da saúde, dos direitos e deveres de um povo. A comunicação comunitária é a forma que as favelas cariocas estão buscando e encontrando a liberdade de expressão e o exercício de cobrança por seus direitos, bem como cumprindo o dever de respeito as diferenças, sem concordância quanto as desigualdades sociais.

Rio de Janeiro com 6.320.446 habitantes sendo que destes 1.393.314 moram em favelas, como não escutar a voz de tantas pessoas? O que é minoria? São 763 favelas na Cidade do Rio de Janeiro, aqui representadas nesta matéria pelo Complexo do Alemão com 12 favelas, pelo conjunto de 16 favelas da Maré e por 20 favelas que compõem a Cidade de Deus, nestas, 190 mil pessoas são representadas, há outras favelas como Morro de Santa Marta com um lindo trabalho de rádio comunitária adentrando nos ouvidos de 165.125 pessoas. É a favela dizendo para o mundo quero ser ouvida e mudar o meu destino.

Valéria Barbosa é quebradeira do Polo de Manguinhos
Arte: a partir de fot0 de Tânia Carlos