As mil e uma noites, pós-aula de Mamede Mustafa Jarouche

Na aula desta semana o professor da USP Mamede Mustafa Jarouche falou sobre a narrativa árabe através do livro mais celebre da cultura oriental, As mil e uma noites. Mamede é responsável pela tradução direta do titulo do árabe para o português, trabalho de pesquisa, que durou cerca de nove anos.

As mil e uma noites assim como a Ilíada e a Odisseia de Homero no mundo grego, é uma coletânea de diversos contos do mundo árabe, abrangendo também contos provenientes de outras culturas como a Macedônica e a Persa. Porém diferente dos contos homéricos As mil e uma noites não possui uma narrativa de característica fechada, o texto que conhecemos hoje, sofreu inúmeras alterações ao longo dos séculos se tornando uma história de adições e supressões.

Há registros que esta narrativa mudou não apenas o conteúdo, mas também de titulo algumas vezes. A primeira menção a uma obra semelhante é datada do século IV, proveniente do Irã era chamada de 1000 fabulas. Nenhum manuscrito desta obra chegou aos nossos dias apenas um resumo desta obra datado do século X. O belo e talvez mais poético titulo da literatura oriental, segundo o escritor argentino Jorge Luís Borges,  As mil e uma noites surge apenas no século XIII, sendo uma modificação do titulo As mil noites.

A narrativa gira em torno de Xerazade e do Sultão Xariar, tem como principal motivo deflagrador a traição que o sultão sofre por sua esposa, com medo de ser traído novamente ele decide que desposará uma noiva a cada dia. Depois de consumado o matrimonio durante a noite, a jovem esposa deveria ser morta logo ao amanhecer. Assim foi feito até que, Xerazade filha do vizir responsável por escolher as noivas do Sultão, pediu ao pai permissão para se casar com o soberano. Começa então a luta de Xerazade e sua narrativa contra a morte. Todas as noites a jovem contava uma história ao marido interrompendo-a ao amanhecer, deixando o sultão curioso a ponto de conceder-lhe mais um dia de vida. Assim a história segue por mil e uma noites até que o Sultão finalmente percebe a integridade de Xerazade e o amor que sente por ela.

Muito se especula sobre as origens deste conto, seria este um livro de entretenimento semelhante aos da Pérsia e Macedônia? Uma coletânea de histórias provenientes da cultura oral, já que havia uma forte tradição que preservava os contadores de história? Quais seriam os contos originais e posteriores?

Corioso é o fato dos mais famosos contos da narrativa conhecidos no ocidente, Ali Baba e os 40 ladrões e Aladim, não estarem presentes nas versões árabes antigas, sendo uma adição do francês Antonie Galland, o primeiro a traduzir as mil e uma noites para a francês no séc. XVII. Também foi possível detectar outras adições e modificações a partir da comparação de manuscritos antigos com mais recentes.

Além de belas histórias que contém desde ação, tragédia, comédia, suspense e erotismo As mil e uma noites se destaca por ser uma obra literária em que o gênero do narrador, neste caso uma mulher que também é a heroína da história, imperam de forma decisiva, apesar da obra ser concebida em uma sociedade onde frequentemente a mulher é colocada em posição de subordinação ao homem.

Talvez uma das lições que As mil e uma noites nos propõem seja a de que todos nós independente do tempo que vivemos precisamos de histórias e consequentemente de narradores que deem vida a este alimento substancial que é o desejo humano de superar as barreiras do tempo através da memória.

 Priscila Medeiros – Bolsista PIBEX PACC\UFRJ

Foto: Jussara Santos