Coordenadoras da UQ explicam projeto no primeiro dia de aulas em 2016

A coordenadora geral da UQ, Heloisa Buarque de Hollanda e a coordenadora pedagógica da UQ, Rosângela Gomes Crédito: Marcelo Ostachevski

Texto escrito por Pedro Diego Rocha

A primeira aula da edição 2016 da Universidade das Quebradas aconteceu nessa terça-feira, 12 de abril. Na parte da manhã, as coordenadoras do curso apresentaram, de forma objetiva aos quebradeiros, como o projeto se originou e de que forma ele se estrutura. Os alunos puderam saber de temas como o futuro das universidades, o que é preciso mudar na educação e os resultados que as Quebradas buscam atingir desde o início.

A coordenadora geral da UQ, Heloisa Buarque de Hollanda, iniciou sua fala comentando que a universidade em si é muito fechada, fala para si mesma e tem a hegemonia do saber. “Para o século XXI, ela vai ter de deslizar para um projeto de legitimidade. Ela tem de representar a sociedade”. Heloisa acredita que se este processo de transição acontecer, se conseguirá uma revolução na universidade. “A UQ é o primeiro passo para esta universidade ser mais legítima, não ser só da elite. Ser também das várias vozes que compõe a nossa sociedade e, principalmente, a nossa cultura. Todos vocês têm uma voz cultural forte”, afirmou a professora.

Heloisa contou aos presentes sobre a origem da UQ, que surgiu da tese de doutorado da coordenadora geral da UQ, Numa Ciro, chamada “Nas Quebradas da voz”, na qual ela abordava o rap e foi orientada por Heloisa Buarque de Hollanda. Esta, por sua vez, já vinha fazendo cursos nos quais projetos como Nós do Morro, Afroreggae, entre outros, acompanhavam aulas de graduação como ouvintes. “A UQ veio justamente como uma forma institucionalizada de unir as periferias, que quase sempre não têm acesso à universidade, à academia”, complementou Heloisa.

Numa relatou que entrevistava rappers desde 2001 para sua tese e todos diziam que não puderam estudar. “Eu e Heloisa consideramos que o saber não é elitizado. O que é etilizado é o acesso. A importância do nosso momento de criação é fazer com que esse saber seja creditado a todos.”, conta a professora, dizendo que muitos quebradeiros que estudavam reportavam que a UQ seria capaz de trazer discussões que eles não tinham na universidade. “Eu aqui sou visto, eu tenho voz, eu não estou só recebendo”, contou Numa, em relação à declaração dos alunos.

Concepções e funcionamentos

Heloisa explicou um conceito sobre a UQ para o qual poucos tinham se atentado. Ela disse que o projeto não é um curso e, sim, um laboratório. “É um lugar de experiências, você aposta num processo. A gente vai testando, vai dando errado. É muito difícil o que a gente se propõe: uma escuta forte de lado a lado. A gente quer aprender a ouvir o outro, a fazer uma tradução cultural. A escuta é o elemento fundamental das Quebradas”.

A professora prosseguiu desenvolvendo que “este laboratório é um lugar de troca de saberes. A gente quer ouvir, quer falar e quer construir um conhecimento novo, que contenha um saber vernacular (de forma a ser regional, local). A gente não acerta nunca. A gente acerta um pouco, avança, erra, vai para trás, para frente. Cada ano a gente vê o que não foi legal no ano passado e muda”, ressaltou.

Outro conceito muito importante para o funcionamento da UQ, de acordo com Heloisa, é o da ecologia do saber, criado pelos professores Boaventura de Sousa Santos e Félix Guattari. A coordenadora explicou que se trata de dar voz aos saberes da periferia, que foram silenciados e criar um novo sistema de conhecimento, onde estas mesmas vozes têm peso e vão se retroalimentar, se preservando, tal qual acontece na natureza.

“As quebradas é uma militância para a universidade mudar. O índice de quebradeiros que entra na universidade depois da UQ está aumentando muito. Vão fazer vestibular com outra atitude. A gente tenta criar subjetividades falantes, vozes. Todo mundo tem de entrar na faculdade. Queremos uma pluriversidade, não uma universidade”, defendeu Heloisa, explicando que os alunos têm de ter voz e reivindicar, e não apenas ouvir e reproduzir o que o professor diz. “A universidade tem de transformar sua massa crítica, senão ela vai ficar cada vez mais fraca”.

Direitos, programa e avaliações

A coordenadora pedagógica da UQ, Rosângela Gomes, falou dos direitos dos quebradeiros, como acesso ao bandejão e à biblioteca, além do contato deles com os alunos de graduação e pós. Ela também explicou o que é ser um mestre quebradeiro. “É aquele que tem experiência no curso. São os antigos que vão mostrando aos novos como a gente se desenvolve na sala de aula, nas saídas culturais, nas entrevistas da época da seleção, colaboram com a coordenação no planejamento. É o amigo colaborador”.

Sobre o programa da UQ, Numa esclareceu que é intelectual e teórico, de um panorama do que a universidade mais ou menos oferece. “O que a gente quis dar para as quebradas? Primeiro que saber é poder. E achamos que o saber é de todos. E desde a Antiguidade é até hoje, temos um leque de saberes. A gente dá isso para vocês, mas vocês não vão saber no final deste curso de 180 horas tudo isso. Mas cada um pode procurar, a partir de sua subjetividade e desejo, se quiser seguir um destes caminhos. A cada ano, mudamos o programa”, resumiu a professora.

“A gente resolveu pegar um livro e fundamentá-lo de todos os jeitos e propor um trabalho final, que pode ser um produto, uma peça de teatro, um programa de TV, um filme. Vamos ver o que vai sair. Mas é uma ideia de ler ‘O Cortiço’, o romance do Aluísio Azevedo, do século XIX, naturalista, que mostra o começo destas habitações populares e até hoje quando se chega na favela. O produto que vocês vão fazer é uma releitura do livro hoje, com as questões que as periferias, comunidades e favelas apresentam. Um cortiço contemporâneo”, resumiu Heloisa, apresentando o restante do conteúdo programático aos quebradeiros.

A professora Heloisa ressaltou também sobre o processo de avaliação da UQ, que oferece dois certificados. “Um é o da UFRJ de conclusão da extensão e o outro é um menor, que é a participação nas quebradas. O que tem valor de mercado e acadêmico é o primeiro”. A coordenadora reforça que para recebê-los, é preciso que o quebradeiro tenha 75% de presença nas aulas (caso não os tenha, só receberá o certificado de participação da UQ), participe no site e nas redes sociais da UQ, interaja durante as aulas, vá às saídas culturais programadas e participe do projeto final.

Rosângela Gomes pediu atenção aos quebradeiros sobre a programação das atividades da UQ, que é disponibilizada no site. “De repente, a gente coloca lá que tem de passar na biblioteca antes, se não olhar, não fica sabendo e vai ficar por fora”.