Matéria de Adriana Baptista na revista Raça sobre a Batalha do Passinho

A revista Raça do mês de junho trouxe uma matéria sobre a “Batalha do Passinho”, escrita pela quebradeira Adriana Baptista.

Um passinho de cada vez!

A Batalha do Passinho apresenta dançarinos de comunidades cariocas que se inspiram na diversidade cultural brasileira e de seus maiores ídolos.

O Parque Madureira foi escolhido para a grande noite de apresentação da semifinal da Batalha do Passinho. Por lá, passaram 48 mil, pessoal! Público recorde no parque! E mais: um evento de paz, alegria, confraternização, sem ocorrência policial. A ideia era apresentar à cidade, 16 jovens finalistas escolhidos nas eliminatórias que aconteceram em comunidades pacificadas do Rio de Janeiro (Chatuba, Morro da Providência, Morro da Formiga, Cidade de Deus, Batan, Morro do Vidigal, Cantagalo, Tabajaras, Alemão, Mineira, Salgueiro, Macacos, Borel, Mangueira, Morro dos Prazeres e Jacarezinho), os dançarinos, hoje alçados ao posto de verdadeiros pop stars! E não parou por aí: além de já estarem escalados para um músical, com produção prevista para 2014, ganharam projeção nacional ao protagonizarem a finalíssima do evento num dos maiores programas de TV, o Caldeirão do Hulk, no dia 18 de maio. Os finalistas, (Hiltinho Fantástico, Michel Mister, Camilla Perfects e Danilo Pelúcia), pela ordem de classificação, o primeiro, segundo e terceiro lugares, dividiram a bolada de R$ 35 mil em dinheiro, financiado pelos patrocinadores do evento.

A trajetória desses jovens, até descobrirem a sua arte, já os tornam vencedores, pois sobreviveram aos serviços de baixa qualidade de pré-natal do SUS, nasceram e cresceram em suas respectivas comunidades equilibrando-se entre uma bala perdida e outra, sem referências positivas, perspectivas e ausência de educação de qualidade. Na batalha da vida, invariavelmente, eram estigmatizados por morarem em regiões da cidade comandadas pelo narcotráfico de diferentes facções criminosas e uma absoluta ausência do poder público, que, de fato, pudesse oferecer moradia com dignidade, educação e saúde. Essa realidade se modificou bastante com políticas públicas específicas… mas ainda é muito pouco, se comparado à demanda.

Quem, como eu, acompanhou a Batalha do Passinho teve o privilégio de se emocionar a cada apresentação das duplas, ou batalha, melhor dizendo. Além da riquíssima coreografia, que mistura frevo, break, charme, yoga, dança do ventre, futebol, basquete, dança afro, capoeira, jazz, acrobacias, balé clássico, samba, funk… tudo junto e misturado, com graciosidade, agilidade e elegância. “Eles” e Ela (Camilla Perfects, a única finalista neste universo praticamente masculino) sabem… e mandam muito bem! Sim, dançar o passinho é coisa de profissional!

Entendam a dinâmica de uma Batalha do Passinho

O cenário lembra algo parecido com um ringue, com direito a uma caprichada limpeza no palco para retirar o excesso de suor, resultado dos múltiplos esforços físicos dos bailarinos. O mestre de cerimônia, Rafael Naike, na verdade, um maestro orquestrando o público, os dançarinos, a produção e os jurados. Os jurados, artistas e personalidades que entendem do riscado… ôps… do passinho! Em Madureira, foram Preta Gil, Fly e MC Koringa. Os dançarinos? Ah… estes, além de mandarem passinhos embrasados (linguagem entre eles que, no dicionário, pode ser incrível, fantástico, extraordinário) para o deleite da plateia, deram um show de solidariedade e companheirismo! Em cada abraço apertado, ao final de cada disputa, dava pra traduzir a popular expressão carioca; “tamu junto”!

As duplas tinham 45 segundos para “evoluírem” (digamos assim) no palco. Sem esquecer do momento exclusivo para os jurados, as expressões faciais e simpatia com o público faziam a diferença (bem parecido com a dinâmica de avaliação do desfile de escolas de samba do Rio); escolhiam a música e tiravam na sorte quem seria o primeiro a mandar o passinho; feito isso, Naike repetia: “DJ aperta o play!”. Todo mundo ligado nos passinhos sob o som contagiante dos beats de funk, até que os jurados apontavam para a direita ou esquerda, elegendo o vencedor ou vencedora.

Entre uma batalha e outra o público também teve a sua vez de arriscar seus passos ao som de MC Koringa, MC Federado e os Lelekes, Os Ousados, Peter Brandão e Preta Gil. Representando o “funk do bem”, esse que “faz geral mexer”, que “dança até titio, vovó e também vovô”.

É isso, muito bacana saber que o Brasil se reinventa nos passinhos dessa garotada, ainda que intuitivamente. Ao vê-los dançar, dá pra sentir a energia pulsante e insistente de vencedores. Não é fácil… requer disciplina, criatividade e muita força de vontade. Aposto neles pra que o nosso país “acerte o passo” e supere as mazelas nossa de cada dia. Afinal de contas, é um Passinho de cada vez!