O samba é criação coletiva, a nossa memória e identidade nacional

O professor Luís Filipe de Lima, diretor musical, arranjador e produtor do espetáculo Sassaricando, sucesso em cartaz no Rio desde 2007, veio às quebradas para falar do Samba,  sua origem e a trajetória que transpassa um século de resistência e sedução.

Em 2016 o samba comemora o seu centenário. O nome foi grafado pela primeira vez em Pernambuco, em 1838, no jornal O Carapuceiro, ajuizado de “samba do almocreve” que remetia a uma brincadeira envolvendo os mascates sertanejos da região. A palavra ganhava uma característica nacional. Porém, só a partir da composição feita por Donga, do samba Pelo telefone, registrado em 1906, sucesso no carnaval de 1917, é que se pode considerar o nascimento do samba como conhecemos.

Mas, o que é o samba? Indagou o professor aos alunos. E quais envolvimentos e sentimentos quanto ao que continua resistindo como samba? Os quebradeiros não resistiram e falaram de suas experiências e inquietações. E o professor para aquecer a discussão perguntou: Chico Buarque é sambista?

Segundo Luís Filipe, há uma dicotomia nessa retórica, nas duas definições possíveis para o sambista. A definição liberal, de que é sambista aquele que compõe samba. A conservadora, que entende de forma única e exclusiva àquele que nasceu ou convive numa comunidade de sambistas. Para Luís Filipe este é o ponto crucial do debate.

Todavia, entre os gêneros da MPB, o samba é o que melhor representou o espírito brasileiro, ainda com a Bossa Nova e o Axé lá fora, o samba é muito forte. Carmem Miranda, Pelé e Caipirinha são emblemas do nosso país, concluiu o professor. A verdade é que o samba se manteve e sua origem não é única. O samba é uma expressão musical de matriz africana.O samba urbano carioca, que se cristalizou no início do séc. XX, é descendente do samba de roda do recôncavo baiano.

O contexto social é a válvula para que o samba se torne uma manifestação tão presente na capital carioca. A chegada da família Real e a abertura dos portos, a abolição dos escravos e o processo migratório às zonas portuárias são atenuantes para a conjuntura do samba. O Rio de Janeiro tem como cenário cultural uma concentração de várias expressões artísticas tanto cultivadas por comunidades quanto as importadas da Europa, o que levaria, inevitavelmente, aos novos estilos de samba e principalmente sambas letrados. Os ritmos ligados às religiões, festejos folclóricos, como os jongos, a dança da umbigada, reinvestem nessa pluralidade sincrônica entre música, dança e letra na vida social aquecida da nova capital do país. Assim, surge com o samba o partido-alto, do verso improvisado, que mais tarde será consagrado por Martinho da Vila e o samba do Estácio, de Ismael Silva, entre outros.  As artes se mesclam em busca de uma identidade, que afirma a cultura popular brasileira.

Enquanto isso o Choro instrumental é presença nos salões da alta sociedade. Dele surge o samba-choro sincopado e swingado de Noel Rosa, Francisco Alves, Mario Reis e Lamartine Babo. As derivações são influências da polca, das mazurcas, da valsa, da quadrilha e do maxixe, que se tornam material dos subgêneros, samba-maxixado, samba-canção e o samba-de-breque (derivado do samba-choro). O advento da Era Vargas e os seus investimentos na cultura, com viés ideológico nacionalista, levou a apropriação do samba pela classe média, fora do carnaval. O dominância das rádios, trouxe para o centro da cena cultural os cantores de música popular e o samba. Contudo, não só na capital carioca se fazia samba, ele estava presente em outras regiões do país.

“O samba é uma criação coletiva.”

Além das transmissões radiofônicas, o samba sempre esteve presente no carnaval dos cordões, agremiações de ruas que já tinham em seu repertório a presença de elementos como mestre-sala e porta-bandeira, ambos com a função de proteger o estandarte da agremiação filiada. Os desfiles aconteciam no centro da cidade e era comum o cruzamento de cordões e a disputa que se dava pela conquista do estandarte do outro. Mais tarde, os cordões foram substituídos por escolas de samba. E com o passar do tempo essas disputas se tornaram mais agressivas, exigindo uma força maior de proteção. Cria-se a ala das baianas. A ala é composta por homens vestidos de baianas, que tinham lâminas costuradas na barra de suas saias. As navalhas protegiam o estandarte da escola, daí a expressão rodar a baiana.

Do carnaval de rua aos grandes desfiles na Marquês de Sapucaí ocorreram muitas mudanças; a industrialização das escolas de samba, o surgimento do gênero pagode. O pagode surge nos anos 80 em rodas de sambas informais. E frente as  discussões sobre a qualidade deste samba marginalizado e da evolução dos sambas-enredo, Luís Filipe expõe:

“Houve uma ocupação da classe média, sim. As escolas dos anos 30 pra cá mudaram muito… Não é só a chegada da classe média com formação universitária, mas o fato do negócio começar a dar dinheiro e  isso gera disputa de poder.”

O fato é que uma indústria investe para obter resultados e isso pode contribuir para a queda da qualidade dos sambas-enredo e de seu circuito fonográfico. – Se antes você tinha a comunidade da escola para atuar e para fazer e acontecer o desfile, hoje o trabalho se profissionalizou, é uma indústria do espetáculo, requer uma nova forma, o desfile cada vez mais é feito para a televisão. Esclarece o professor.

“O espetáculo vive do efeito do novo.”

Não só o modo de fazer o carnaval está diferente, como o espaço precisou ser transformado para absorver a modernização do som e de outros componentes que fazem parte da harmonização das escolas. A lógica é que o desfile se adéqüe as formas audiovisuais midiáticas. E enquanto a visão dos organizadores seguirem esta lógica mercadológica, a qualidade do samba-enredo vai despencar cada vez mais. A lógica que deturpa os direitos autorais dos artistas, que dá preferência aos temas patrocinados, impõe a aceleração dos sambas, que terceiriza o trabalho artístico sem o consenso das comunidades, acomete à contradição do produto, e assim “o samba não pega”, “o samba não vai tocar”.

– Mas ainda assim o samba resiste, o samba está aberto para dialogar e receber influências. Ele resiste ao mercado pela sedução que ele exerce que é da ordem do sensível. Resiste às pressões, agoniza, mas não morre.

 

Referências:

VIANNA, Hermano. O mistério do samba.
Pelo Telefone, de Donga e Mauro de Almeida.
Programa Samba Amigo, Rádio Globo.

 Rafaela Nogueira – Bolsista PIBEX PACC\UFRJ