Quem dá o papo nas Quebradas é o escritor, poeta e empreendedor (como ele mesmo se define), George Cléber Alves, conhecido em todas as Quebradas da Cidade como Binho Cultura. Prestes a completar 33 anos e lançar o livro A História que eu Conto, pela Aeroplano Editora, este ilustre morador da Vila Aliança, Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro, conta para o quebradeiro Pablo Ramoz, um pouco das suas histórias e memórias da comunidade em que vive e a sua relação com as artes.
PR – Você declarou anteriormente ter sofrido “constrangimento na escola”, na infância, e que este ato disparou o seu contato com as artes. Como foi isso?
O constrangimento foi na adolescência, aos dezesseis. Fui uma criança que aprendeu a ler cedo e tinha muita curiosidade pelas palavras. Sem acesso ao livro – naquele tempo era um artigo de luxo – me pegava apreciando uma estante cheia que ficava na casa de um colega de infância, os livros eram de seus irmãos mais velhos.
Na adolescência, o contato com as palavras foi através de desabafos escritos, manifestos de revolta através de pichações, mas o que me marcou foram as letras de RAP, onde escrevia funk melody, com isso me descobri na poesia. A escola me marcou negativamente num episódio, em que a professora de língua portuguesa me expôs diante da turma quando confidenciei a razão de não ter o livro paradidático e pedi uma segunda chance, não dada por ela, que alegou direitos iguais para todos os alunos, mesmo com o motivo apresentado. A evasão da escola foi a partir deste dia, deixei de realizar meu sonho de ser paraquedista por não ter escolaridade. Mas, um ano e meio após fundei a primeira Biblioteca Comunitária do Complexo de Vila Aliança e Senador Camará; a Quilombo dos Poetas e participei de um concurso de poesias e crônicas, ficando com duas crônicas entre as sete primeiras colocadas dos quase duzentos participantes adultos, formados. Recebi incentivos e palavras do Sr. Murilo, fundador do Grêmio Literário José Mauro Vasconcelos, em Bangu. Foi um ponta pé importante na minha entrada no universo da arte, mesmo não tendo nenhuma noção disso.
PR – O dramaturgo argentino Aristídes Vargas, assume que escreve sob o efeito do trauma. Você se identifica com essa literatura do trauma?
Acredito que o trauma provoca dois impactos psicológicos: aquele que te afunda em depressão ou te torna agressivo e aquele que te faz dar a volta por cima e não dar razão ao fator que te traumatizou. Portanto, mesmo sem tê-lo lido, me identifico com Vargas à medida que, tudo o que escrevo é reflexo do que me impacta positiva e negativamente.
PR – Você acredita que a arte salva? Ela te salvou?
Não diria que tenha me salvado porque não estava perdido, nem tendenciado a seguir um caminho negativo. Posso garantir que a arte fez com que me encontrasse para uma segunda chance de sonhar, e desta vez poder me realizar sem depender do sim ou não de outrem, como aconteceu com o sonho de ser paraquedista. A arte me ampliou o universo e me fez expandir os conhecimentos de forma holística aproveitando tudo o que passei na vida e transformando em otimismo e positividade. Sou um homem rico culturalmente e ilimitado intelectualmente graças a Arte de viver bem!
PR – Qual é a sua relação com As Histórias que Outros contam?
Sou uma pessoa que se identifica com histórias de pessoas, que se tornam referências e aprendizado. Assim é a História, sendo que contada apenas por uma determinada visão da sociedade. Toda literatura é uma história contada por pessoas, seja qual for o gênero. A grande diferença é que hoje qualquer pessoa poder além de ler as histórias dos outros, também escrever sua própria trajetória, assim como eu em meu livro.
PR – O que você espera provocar nos leitores, especialmente os de Vila Aliança?
Minha expectativa é tão ousada quanto ambiciosa, mas extremamente factível, no que diz respeito a formar novos escritores e estimular seu ciclo do convívio social: o leia e passe a ler também. Minha meta é, em parceria com outras pessoas que comunguem desse ponto de vista, fazer isso em toda a zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, a partir dos resultados comprovadamente atingidos, poderemos expandir para outras regiões do Estado. A FLIZO – Festa Literária da Zona Oeste já está sendo organizada para acontecer em 2013. Será o marco histórico dessa missão. Tenho motivos para acreditar que isso é possível, pois faço isso desde 1998 com a Quilombo dos Poetas e muitos se tornaram leitores porque tinham o livro ao seu alcance, com o Sarau Chá com Letras que criei também, muitos se tornaram escritores e poetas porque estavam próximos a pessoas que escreviam, agora vamos fazer isso de maneira mais ampla.
PR – Qual é a sensação de lançar um livro?
Toda história deveria ser contada, porque viver é uma experiência ímpar, sobreviver é um ato heroico, por essa razão acredito que nossas experiências devam ser compartilhadas, pois estimulam, inspiram e podem se tornar referenciais para quem se identifica com nossas trajetórias. Me sinto lisonjeado, sobretudo, porque meu primeiro livro está sendo lançado a partir do convite da pessoa que mais admiro na literatura, que é a minha maior referência literária dentro e fora do livro, a minha queridíssima Heloísa Buarque de Hollanda. Quem diria que aquela pessoa que li e admirei se tornaria minha amiga e me convidaria para sua coleção Tramas Urbanas, na qual tenho quase todos os exemplares, e hoje meu livro, minha história será compartilhada. Só tenho a agradecer a Deus por esta dádiva e dizer que, quem ler o meu livro não se arrependerá, porque não será apenas a minha história, é a história de muitas pessoas que mudaram a história de um lugar desacreditado, ouso dizer que esta é a história dos desoprimidos.