[polo] Uma troca de saberes e experiência entre os sujeitos e o mundo

A aula sobre Psicanálise dada pela Numa Ciro e o Território da quebradeira Valéria Barbosa sobre os mestres da comunidade realmente nos fizeram pensar a respeito de nós e do mundo.

Numa abre o tema Psicanálise comparando-a ao Hip Hop: a primeira inaugura o século XX, o segundo o faz com o XXI, ambos dando voz ao sujeito. Enquanto na Psicanálise o sujeito é o sujeito da fala, o falante, um sujeito dividido, possuidor do saber que ele não sabe, o saber do inconsciente, advindo da sua história; no Hip Hop o sujeito é cada um que compõe a coletividade da periferia.

Com a exibição de trechos do filme “Freud Além da Alma”, vimos como foi difícil para Freud fazer valer, nos centros acadêmicos e científicos, as suas descobertas, principalmente nas questões relacionadas com a sexualidade infantil. Ele foi alvo de retaliações fervorosas por defender que a sexualidade nasce com a criança e que seu primeiro objeto de amor é a mãe.

Houve também uma breve discussão sobre as principais estruturas do sujeito: a neurose, a psicose e a histeria. Numa prometeu nos falar sobre isso numa outra ocasião.

A revolução da Psicanálise consistiu na disposição de Freud em ouvir cada pessoa, uma a uma, em focar a atenção no que era falado e em como cada um falava. As consequências que Freud tirou dessa escuta foi a construção da psicanálise. Pela primeira vez na história dos saberes, o pensamento é separado da consciência, quando Freud demonstra que o nosso Eu não é a sede do aparelho psíquico.

Ele demonstrou cada descoberta, que podemos acompanhar através de toda a sua obra, se oferecendo como sujeito e objeto de suas análises. Os três livros: A interpretação dos sonhos; A psicopatologia da vida cotidiana (sobre os lapsos de linguagem, ato falho, esquecimentos, etc); e O Chiste e suas relações com o inconsciente (dito espirituoso), formam o tripé da psicanálise. Esses trabalhos inauguraram este novo campo do saber, pela demonstração de que o inconsciente é efeito de linguagem, que seu estudo e análise só podem ser alcançados por meio das palavras, através do processo psicanalítico, e pelas obras de arte.

Valéria apresentou o Território Memórias da Periferia: Mestres da Comunidade, a partir da remoção da Favela do Pinto, mostrando o quanto a distância entre local de trabalho e moradia alterou as relações familiares e sociais daquelas pessoas. Com os pais longe de casa, os filhos não tinham tanta vigilância, os olhos dos pais eram os mais velhos cuja história e autoridade moral impunham respeito e obediência – esses são os mestres da comunidade. Homens e mulheres cujo saber além da experiência vivida (alvo da psicanálise) também congregam a cultura do seu local de origem, visto a imigração. O que proporciona algo riquíssimo, a troca de olhares e de cultura na favela através da convivência com as diferenças.

O que realmente comoveu os Quebradeiros foi a declaração de que as remoções eram e ainda são feitas em caminhões de lixo, de acordo com os “níveis de pobreza”: o paupérrimo para triagem, habitação semelhantes a vagões de trem, com todos amontoados; a casa onde eram levados os pobres “médios” e os apartamentos dos conjuntos habitacionais, os pobres. Detalhe: nenhuma dessas moradias levava em conta o número de pessoas da família, mantendo todos amontoados, pois tinham o tamanho padrão. Mas, para quê se preocupar com a dignidade das pessoas se o padrão é apenas o de retirar o que não serve e jogar fora como se fosse lixo?

Texto: Numa Ciro
Colaboração: Joana D’arc Liberato

Foto: “thinking of oranges” por वंपायर – CC BY-SA 2.0