Pós-aula – Literatura e fome

A professora Ana Kiffer trouxe para as Quebradas a discussão sobre a relação entre a fome e literatura. Ela mostrou algumas das representações e significados que a fome e outras questões ligadas a alimentação assumem dentro da literatura.

Iniciando com o Antigo Testamento, a fome é o que nos separa de Deus, por fazer com que tenhamos consciência da existência de um corpo, o nosso corpo, que precisa ser nutrido, alimentado, para se manter. Ele é mortal. Se não for cuidado, morre e é isso que faz a distinção entre Deus e os homens. Deus não possui um corpo que precisa ser cuidado e alimentado, isso o torna imortal.

Na Biblia a autorização divina para o homem comer carne só vai ser concedida após o diluvio. Até este momento a alimentação deveria ser restrita aos vegetais. A carne era considerada impura. O período pós-diluvio, introduz a idéia, de que o homem é mau, porque ele é capaz de comer outros seres vivos. Inicialmente a carne comida deveria ser proveniente de um animal que não se alimentava de outro animal, evitando que o homem não fizesse uso de outro homem para se alimentar. Segundo Ana Kiffer, “a relação entre a comida e a fundação do homem é crucial. Não há como separar, nesse sentido, o que se come do que se é”.

A fome é o afeto universal, uma vez que, mesmo aqueles  que têm o que comer, têm fome. Trazendo a discussão para o ponto de vista do filosofo francês Jérôme Thélot, a fome é o que vai fazer com que o mundo pertença aos homens. Já que a fundação do mundo, se dá a partir do que é ou não é permitido aos homens comerem. Para o filosofo a relação entre a fome e a palavra é continua. Falar dá a fome quase a mesma satisfação que a comida.

Mas de que maneira a cultura brasileira vem contribuindo para a reflexão sobre a fome?

No Brasil, até a década de 1930, havia um tabu em relação a fome, que limitava o que era dito sobre ela. Esse tabu, estava pautado sobre dois aspectos: no lucro que a fome gera à determinados grupos sociais; na vergonha que sentimos da fome, comparada àquela que sentimos da nossa sexualidade. Estamos acostumados a reprimir nossos sentimentos mais primordiais. Foi um pensador pernambucano; Josué de Castro (1908-1973), que em seu livro A Geografia da Fome, lançado em 1946, se debruçou sobre esta questão e revelou ao mundo a importância de mapear a fome, entender a relaçnao que ela tem com meio ambiente e com a economia.

Depois a professora falou da geração de 30 na literatura. Momento em que os artistas burgueses se viram autorizados a falar da miséria e do sofrimento do outro. Porque para escrever é preciso comer. Destacou que Carolina Maria de Jesus (1914 -1977) é a primeira voz que se coloca como personagem da sua história. Entretanto, Ana Kiffer demonstrou, a partir de uma carta escrita para Portinari, que Graciliano Ramos (1892-1953) foi o único autor desta geração, a perceber a ingenuidade que havia em acreditar ser possível representar a dor do outro. Assista este momento que está registrado no vídeo.

Segundo o depoimento da quebradeira Iris Medeiros, que conduziu um trabalho em grupo, essa foi a conclusão a que chegaram após a observação de uma da obra Retirantes de Candido Portinari (1903-1962), a fome representa a esperança.

É preciso alimentar nosso senso crítico, a fim de, conseguir responder de onde vem a fome e para onde ela nos conduz. Temos que ler, perguntar e questionar a história da literatura para que a representação da fome, possa ser a esperança e a concretização da mudança na vida de muitas pessoas.

Raquel Lima – Bolsista Bipex (UFRJ/ FM/ TO)