Um dos atrativos que nos leva ao teatro, certamente, é a relação intimista construída entre o público e o artista. Neste universo, as cenas mal se consolidam no palco e as reações já retornam da plateia num efeito boomerang, uma sintonia imediata, que torna cada sessão uma experiência única, sempre na espera do que este encontro entre palco e plateia pode resultar. Mas, o que acontece quando ultrapassam as demarcações cênicas e tudo vira palco? Pois é exatamente essa, a sensação que Calango proporciona ao tornar o público tão íntimo da personagem-título (e vice-versa), numa mistura bem dosada entre ficção e realidade, que torna a plateia – praticamente um personagem à parte durante o espetáculo, e em constante sintonia com a simpática Zaninha.
Fruto de um intenso processo de pesquisa e uma afável homenagem às raízes mineiras, o espetáculo solo da Suzana Nascimento (Zaninha) preza pelo cuidado com os detalhes na representação da cultura popular de Minas Gerais. Do primoroso programa da peça até a contação dos causos, o que se vê em cena se assemelha mais a feitura de um vestido rendado, no qual, cenário, figurino e atuação encontram-se muito bem costurados pela direção de Isaac Bernat e ajustados sob medida para a atriz, que surpreende e encanta na interpretação tanto da Zaninha, quanto dos demais personagens que ganham destaque durante a contação de cada história. Por completo, Calango se apresenta como uma obra artesanal, feita sob camadas e por várias mãos, aqui, é perceptível o cuidado em servir bem as visitas (o público) e sem abrir mão da qualidade, um legado da tradição interiorana.
Como se ainda não bastassem os divertidos causos, Zaninha também emociona ao citar a relação com o seu pai, puxa coro da plateia nos cantos ritmados pelo bandolim, instiga o público a confabular sobre o tempo, e aproveita a intimidade – rapidamente estabelecida – pra ajudar a vida amorosa de solteiras e casadas através de simpatias. Cada movimento em cena é parte de uma coreografia que não perde o ritmo, seja embalada pelos causos, pelos cantos ou, até mesmo, pelo rádio – outro acerto da peça, que toca em nossas lembranças mais antigas. Sem perder o fio da meada, Calango é um espetáculo que diverte, emociona e nos faz querer passar o dia inteiro ouvindo novos causos, provando mais dessas sabências acompanhadas de um cafezinho feito na hora, como numa típica prosa mineira.
Calango Deu! Os causos da Dona Zaninha
Em cartaz no Teatro Poeirinha
Rua São João Batista, 104. Botafogo. Rio de Janeiro
Terças e Quartas às 21h (Início de temporada: 08 de outubro)
Ingressos: R$40 (Inteira) / R$20 (Meia)
Leandro Souza é produtor cultural e quebradeiro da 4a edição