Estou aprimorando o ato de observar, e o ônibus é um dos locais mais bacanas para se fazer isso. A caminho do Fundão, ontem, eu pensei em diversas coisas. Nas obras públicas, o que cada pessoa poderia estar pensando: na vontade de dormir e não estar ali cedo indo trabalhar por exemplo, ou de como a transa da noite anterior foi boa, ou então como a porrada do marido em casa a deixou desconsertada. Enfim, estou com a estranha mania de dialogar comigo mesma possibilidades de fatos, realidades e acontecimentos quando vejo pessoas.
Voltei quase 20 anos atrás. Em minha primeira aula. Lembrei da Leila, minha primeira professora. Não sei mais dela. Mas na época, eu com 4 anos de idade, chorava e gritava com pavor daquele lugar e tentava entender o porquê da minha mãe me deixar ali com aquela mulher desconhecida com seu lindo sorriso e voz doce, tentando me acalmar. Lembro como se fosse ontem da sala de aula, com um grande quadro negro e o alfabeto ao lado de figuras de objetos com aquelas iniciais, colocado na parede. Muitos lápis de cor e giz de cera. Massinha e lego. Leila, estando ou não viva, sendo ou não mais professora, foi a minha ponte a toda informação, conhecimento e reencontros com um mundo e comigo mesma. Porque foi com ela que aprendi a ler. Juntando cada sílaba, depois formando palavras, textos, até que cheguei aos livros, jornais, revistas, etc.
Depois disso, quando já estava na chamada pré-adolescência ganhei um computador usado da Eduarda Couty, minha mana mais velha, e aprendi a digitar aquele trambolho de forma muito rápida. Fabiana, a segunda professora que me marcou na vida, estava fazendo um trabalho da faculdade sobre Fernando Pessoa e pediu para eu digitá-lo. Foi o primeiro poeta que me lembro de ter conhecido. Fiquei fascinada e ela percebendo isso, me presenteou semanas depois com o livro Mensagem. O primeiro contato com poesia de forma mais encorpada.
Agora com 22 anos, vou reiniciar o curso de Letras. De todos os motivos que me levaram a esse curso; paixão por Literatura, vontade de aprender a escrever melhor, interpretar melhor, facilidade para ingressar na Universidade Pública, o motivo maior é a vontade de estar na Sala de Aula. De forma inexplicável, mesmo já tendo escutado que passarei fome, que perderei a cabeça com os alunos mal educados, ou que vou desistir no meio do caminho, ver milhares de profissionais da Educação incansáveis, nas escolas, universidades, nas ruas, ter convivido com Emílio, um exemplo de revolucionário, ter tido tantos professores incríveis, como Giovanni Oliveira, que sempre ensinou com uma naturalidade e entrega, ou como Diego Casais, com sua jovialidade e luta ou como Carlos Henrique Martins, com sua atitude e sensatez e tantos outros, só me dá mais certeza de que é isso que quero.
Diante de toda essa reflexão, hoje cedo, no trem, vi uma menina pequena, se mexendo para lá e para cá, enquanto um monte de homens sentados (que se não pedisse, não segurariam a minha bolsa mega pesada) não cediam o lugar para a menina e seu pai. Foi quando um lugar ficou vago e eu indiquei a ela, pra se sentar. Nisso eu comprei um biscoito goiabinha e comecei a dividir com ela, sem trocar uma palavra, só sorrisos e gestos. Ela pegava um e sorria. Depois outro e eu ganhava outro sorriso mais lindamente ainda. Desci em Deodoro para fazer a transferência para N.I e olhei pra trás e a vi. Fomos conversando o resto da viagem, ela me contou que tem 7 anos, que adora comer estrogonofe, que está sem estudar por brigas familiares, que brinca de boneca quando vai na casa da prima, que adora escrever e sabe ler direitinho e que morou em Niterói e lá eles dormiam de porta aberta, porque não tinha perigo. Depois eu perguntei: o que você quer ser quando crescer? Ela: professora. Meus olhos encheram de lágrimas e continuei: mas por que? Ela: porque adoro ensinar e saber. Cheguei em N.I e me despedi dizendo que tinha sido um grande prazer conhecê-la. E segui pensando nas inúmeras Tassianes que me esperam.
Foto: shho