Depois da excelente aula do dia 22 um pequeno grupo se reuniu em uma birosca próxima ao MAR. Surgiu um poema coletivo a oito mãos:
O cair de uma gota
Uma gota cai
Por entre as pedras da vida.
Que faz nascer um ramo de vida.
Do galho quente do amor
Um sonho ardia.
Ardilosa gota, árvore da vida.
Uma gota vai, sobe sem guarida.
E desce molhando a flor.
Lhe dando um gole de vida.
Essa mesma flor se pergunta.
Se é comum o medo de ter medo.
A gota da flor ao molhar o medo
Esvanece a beleza da flor.
Que perde as pétalas
Como o pavão perde as plumas.
Expandindo o seu absoluto pelo mundo.
Um poema construído coletivamente por: Angelo Mello, Fabiana da Silva, Fabio Augusto Pedroza, Karen Kristien, Marcio Rufino, Melenn Kerhoas, Tita Clemente, Andressa Abraão e Vitor Nascimento
Confete nas quebradas, por Fabio Augusto Pedroza
A cada semana tenho a certeza de que estou no lugar certo e na hora exata. Muito boa a aula desta terça, Elisa Larkin Nascimento que foi esposa do imortal Abdias do Nascimento, nos mostrou um pouco do força e da história do negro pelo mundo e acabamos presenteados com a participação de Rubem Confete, uma das figuras mais interessantes que conheci, além de ser um dos grandes historiadores que já tivemos.
Como diria mestre Rubem
Não discuta o preconceito
Faça a seu modo
Dê seu jeito
Estude sua história
Crie seu próprio texto
Se o carnaval de hoje
Tivesse mais Confete
O samba seria mais negro
E o negro seria mais samba
Ser negro é ser forte
Seja no Sul
Seja no Norte
No Cairo e no Egito
O Negro e sua história
Tem um legado bem bonito
Não adianta abolição
Se não tiver Educação
A senhora Dilma Rousseff
Deveria ouvir o Rubem Confete
Nosso país seria diferente
O rico seria menos rico
O pobre menos pobre
E o povo estaria contente…
Desconstrução de Referências, por Marcio Rufino
Houve um tempo em minha vida que acreditei que ser negro era ser menor. Daí meu orgulho ainda criança, quando um coleguinha ou um professor me chamava de moreninho. As referências entre os protagonistas de filmes e novelas me faziam crer cegamente, ser um privilegiado em uma uma família de negros; graças ao fato de ter um pai mulato de cor clara. Foi preciso que eu crescesse, amadurecesse, enfrentasse um divã de psicanálise e presenciasse todo um movimento de afirmação negra romper na sociedade e na mídia, na segunda metade da década de 1990, para eu aprender a aceitar e amar com orgulho minha raiz.
Entre esbaforido e estressado com o engarrafamento do ônibus e do metrô, cheguei atrasado na sala 3.1 do MAR. Encontro Elisa Larkin Nascimento esticando com alguns quebradeiros veteranos, um gigantesco painel horizontal indicando com textos, gravuras e imagens a trajetória dos negros africanos na história da humanidade. O que ocorre a partir de então é uma tentativa de Elisa de desconstruir, num discurso fragmentado, a ideia que o imaginário popular sempre teve do papel do negro africano na construção do mundo ocidental; o de simples e reles marionete que reagia ao sabor da vontade do branco europeu. Ideia esta estimulada por um conjunto de conceitos milenares que engloba academicismo, racismo, eugenismo e livros didáticos. Com imagens de hieróglifos, adrinkas, sítios arqueológicos, mascaras e esculturas antigas de cabeças negras, Elisa procura nos certificar de que, muito mais do que se pensa, o negro sempre teve atitudes, iniciativas autônomas e contribuiu de forma incisiva e assertiva para o desenvolvimento da cultura, da arte e da ciência, não só na África como na Europa, na Ásia oriental e na América pré-colombiana.
O assunto é polêmico e complexo e as rápidas e incompletas pinceladas de Elisa, apesar de interessantes e instigantes, não foram suficientes para saciar o desejo dos quebradeiros de saber a origem do negro e seu papel no progresso de nossa civilização, que aliás, é uma entidade ou instituição que ainda está em constante, dinâmico, sofrido e laborioso processo.
Mas quem literalmente roubou a tarde foi o historiador Rubens Confete, que foi convidado por Elisa para ilustrar a aula com uma pequena palestra sobre suas pesquisas. Com grande carisma e um ar bonachão, ele nos deu uma palestra sobre o Cais do Valongo, espaço carioca que devido a grande circulação de contigente negro no passado ficou conhecido como “Pequena África”. Grandes personalidades negras desfilaram em seu discurso como Dom Obá, Machado de Assis, Paulo da Portela, André Rebouças, Cândido Manoel Rodrigues, Sociedade dos Moços Pretos, João Abalá de Omolú, Tia Ciata, Heitor de Prazeres, Mano Eloy, Eliézer Cruz, Ari Serra, João da Baiana e num contexto mais místico e transcendental, o Caboclo Rompe-Mato. No final da dissertação ele encerrou resumindo toda a sua fala com o trinômio: Ancestralidade, Solidariedade e Cidadania.
Questionei com Elisa a grande dificuldade de se ter noções da civilização africana oriental na Antiguidade, como se a África nesse tempo fosse só Egito. Chegamos a conclusão de que o pretexto de que o deserto do Saara seria problematizador nessa questão é pura especulação, já que desde remotas eras sempre existiu relações comerciais entre essas regiões.
Elisa mostrou conhecimento, segurança e muita propriedade no tema africano. Mas infelizmente não dispunhamos de tempo. Seria necessário mais um dia de aula.
Depois do lanche fomos para o bar para mais uma sessão do Sarauvá. Nos dividimos entre a poesia e a política. Enquanto a metade da mesa discutia a venda do pré-sal, a Dilma, o Cabral, o Eduardo Paes; a outa metade lia seus poemas e cantava samba. Tudo isso regado a cerveja e pastel de frango com gengibre.