Nuno DV lança o livro “Rio de Riscos” neste domingo

Neste domingo (24) serão lançados no Centro Cultural Afroreggae, na comunidade do Vigário Geral, no Rio de Janeiro, os livros “Rio de Rimas”, da professora de Letras da Universidade Federal Fluminense Rôssi Alves, e “Rio de Riscos”, do rapper e grafiteiro carioca Nuno DV. Reunidos em um único volume, os dois livros se complementam: Rio de Rimas fala das rodas e batalhas de rimas dos rappers do Rio de Janeiro, e Rio de Riscos fala dos pixadores e grafiteiros da mesma cidade, dois elementos da cultura de rua e periférica que se complementam e se confundem. O lançamento dos livros faz parte da FLUPP (Festa Literária das Periferias), que vai do dia 20 ao dia 24 de novembro no Rio de Janeiro e mostra a força da literatura das “quebradas”.

Falamos com o Nuno DV, que de pixador passou a se envolver com a cultura do hip hop e descobriu o talento para escritor e compositor. Ele conta um pouco de sua história, da cena atual do hip hop no Rio de Janeiro e da importância da cultura e da literatura na vida das periferias. Confira a entrevista:

naVitrola: Pra começar, como surgiu o interesse pelo hip hop na sua vida?

Nuno DV: Fui por anos pixador, e por conta disso, estava sempre perto do pessoal do graffiti, mas em 2008 comecei a freqüentar um evento chamado “Reciclando os Pensamentos”, ali na Fundição Progresso, na Lapa aqui do RJ. Era sagrado pra mim toda semana estar lá, gostava da energia do local. Em 2009 houve um incêndio e o evento acabou, em Setembro do mesmo ano fui baleado em uma noite mal sucedida de pixação, e durante meu tempo de recuperação, comecei a ouvir muito rap, ler tudo que caía na minha mão, ver filmes, e chegou uma hora que a quantidade de informação consumida quis sair de alguma forma. Como gostava de ouvir rap, me arrisquei em escrever letras, mas não mostrava pra ninguém, era só uma terapia, me dava bem conversando com o papel. No fim de 2010, um amigo, o Bili MC, organizou um evento de rap e uma das atrações faltou, eu pedi uma oportunidade, falei que tinha uns raps e tal, ele deixou. Convoquei meus amigos, minha família para ver o tal show, e foi um choque pra todo mundo, pois na cabeça deles, foi como se eu fosse um jogador de futebol que estava em campo no primeiro tempo, e não voltou pro jogo depois do intervalo, e quando foram me achar, eu estava em outro esporte outro local, fazendo outra coisa. Eles falavam: “Rap? Você canta? Show? Como assim? Tu num pixava? Desde quando?” Enfim, já no show, cantei uma música que fiz pro meu pai, chamada “22 de Agosto”. Em determinado momento, localizei minha mãe na plateia, e ela estava chorando copiosamente, aquilo me fez pensar: “fiz minha mãe chorar a vida toda, por vergonha das coisas que eu fazia, mas pela primeira vez, ela está chorando de orgulho” e quando acabou a música, as pessoas bateram palmas e gritaram, aquilo foi uma coisa nova pra mim, mistura de adrenalina com torpor, e decidi que queria sentir aquilo mais vezes, e aqui estou eu, nessa busca.

naVitrola: Como você usa cada elemento da cultura hip hop no seu trabalho?

Nuno DV: Eu sou adepto do faça você mesmo, pra não dever nada pra ninguém, então aprendi um pouquinho de cada elemento, pra poder fazer minhas coisas sem dever favor. Eu mesmo gravo minhas coisas em casa, então tive que ser meu DJ e produtor, faço meu material visual, uso bastante coisas do graffiti pra isso, estou sempre nos eventos de graffiti vendo o pessoal pintar, semana passada, me arrisquei em umas pinturas, sou MC, e pra não falar que não uso nada de B.Boy, faço uma verdadeira dança pra poder administrar isso tudo, o dia só tem 24 horas e passam num piscar de olhos, tem que ter o fôlego e o jogo de cintura de um bom B.Boy pra não perder o tempo da vida.

naVitrola: Como está o cenário para quem faz hip hop no Rio de Janeiro?

Nuno DV: Pra quem tá de fora, tá ótimo, mídia dando espaço, shows grandes acontecendo e tendo o Hip Hop como destaque, saiu um decreto em setembro de 2012 em apoio as rodas de rima do CCRP Circuito Carioca de Ritmo e Poesia. Mas de dentro é o mesmo de sempre, quem tá de fora quer entrar, quem tá dentro não quer deixar o outro entrar. Queria não ser clichê, mas falta união, muito se fala em estar junto, mas é cada um por si, olhando pro seu umbigo, muita gente chegando com talento e conteúdo, mas por falta de espaço (as coisas que citei no começo, dão espaço pra quem tem nome, não necessariamente para quem tenha um bom trabalho), mas a seleção e filtro do hip hop é natural, demorada e muitas vezes injusta, os que aguentarem mais tempo tomando não, vão ser reconhecidos mas na frente. Essa vida é um teste de paciência e saber lidar com frustração!

naVitrola: Como surgiu a ideia do livro?

Nuno DV: Tenho um blog chamado “Páginas de Tinta”, onde entrevistava pixadores, e entre uma entrevista e outra publicava textos com minha visão das coisas que aconteciam, na noite, ou na cena. Um amigo meu, o professor e advogado Daniel Fonseca, disse que escrevo bem, que essas histórias dariam um livro, e sugeriu, confesso que achei ele louco, quem sou eu pra escrever um livro? Mas a semente foi plantada, e assim como escrevia as músicas sem mostrar pra ninguém, comecei o livro. Em 2012 conheci uma professora Rôssi Alves, que estava fazendo uma pesquisa sobre o fenômeno da ocupação das subculturas em locais públicos, ela falava sobre as rodas de rima, e sobre pixação, do poder de apropriação dessas áreas, me viu em um evento de rap em uma praça pública, e me convidou para uma entrevista sobre rap para essa pesquisa. Ela me falou sobre a ideologia da pesquisa, e eu disse que também havia sido pixador e que poderia ser uma ponte pra ela, apresentando pixadores e MCs para essa pesquisa, pois tinha caminho livre e confiança de vários. Ela me mostrava alguns trechos da pesquisa, e via que eu tinha algo escrito sobre o mesmo, e falei do meu projeto do livro, mandei uns textos pra ela, ela me pediu pra mostrar pra uma amiga, e assim foi feito. Depois de um tempo, ela veio com essa coisa do livro, que a amiga dela na verdade era a orientadora dela, e que era a Heloisa Buarque, que tinha uma editora. E que ela queria ver o material.

naVitrola: Na verdade o livro são dois, né?

Nuno DV: Sim, é como se fosse a pesquisa da Rôssi Alves, sendo que eu fiz a parte de pixação e ela, a de rap, “Rio de Riscos” eu escrevi, e o “Rio de Rimas” ela. Mas essas culturas, apesar de diferentes, tem muita coisa em comum, discriminação, apontamentos, quem pinta diz que pixação não é arte, quem é músico diz que rap não é música, pela falta de instrumentos. Muitos pixadores são envolvidos com rap, muitos MCs foram pixadores, essa lista é enorme. Enfim rap é a pixação, só que feita com a voz, e a pixação é o rap, só que feita na parede. Então juntamos os “RIOS” pra todo mundo mergulhar de uma só vez!

naVitrola: O Rio de Riscos fala sobre o que exatamente?

Nuno DV: Hoje estou no rap, mas não teve um ponto exato em minha linha do tempo que se possa falar, aqui eu parei de pixar, e aqui eu comecei a rimar, esse livro é meio que uma gratidão aos anos e amigos que fiz, pois senti que saí do “xarpi” sem me despedir, queria deixar algo escrito além dos muros, para que além dos pixadores, pessoas que não fossem também pudessem ter acesso. Muita gente queria poder explicar aos pais o que fazem, mas não sabem como, talvez meus testemunhos e relatos ajudem. Já fiz filho, escrevi um livro agora preciso plantar uma árvore e encontrar um grande amor, pra minha passagem aqui ter feito sentido. O livro não é sobre a história da pixação, é uma espécie de diário noturno, de minhas experiências na madrugada durante o tempo que me dediquei à pixação. Essa dedicação e energia, agora canalizo ao rap. Mas parei de pixar só com a mão, com o coração sempre serei do “xarpi”. Rio vem de RJ, fluxo de informação e trajetória, RISCOS vem de rabiscos e de perigo, duplo sentido, pra atender a academia e a periferia ao mesmo tempo.

naVitrola: Vi que o livro faz parte da FLUPP. Como você ficou sabendo do evento e como foi esse contato para lançar o livro na FLUPP?

Nuno DV: Minha editora tem uma parceria com eles, o livro vem pela bem sucedida coleção “Tramas Urbanas” da editora Aeroplano, essa coleção que tem tudo a ver com a filosofia da FLUPP, literatura periférica, melhor explicação pra essa pergunta é: dei sorte, lugar certo na hora certa e fui sorteado na loteria que a vida faz!

naVitrola: Você acha que a cultura periférica está sendo mais reconhecida?

Nuno DV: Não, reconhecida não, talvez tolerada, mas academia não reconhece ou não baixa o nariz para a periferia, sempre nos chamam, de foco, manifestação, resistência, movimento, etc.. Mas acredito que dessa descrença que está surgindo a força pra mudança. Aqui no RJ está na moda agora conhecer periferia e os morros, me sinto um animal no zoológico quando os estrangeiros vem fazer excursão dentro da favela. Mas nossa vitória será breve, e como disse o B.Negão, não será por acidente!

 

 

por Paulo Noviello para o site Na vitrola