A fúria do mundo explode diante de mim. É duro ver a Terra deixar de ser a mãe conformada, resignada; e passar a ser a fêmea irada, revoltada em sua razão. Puta contestadora, indignada a se rebelar, a esbravejar contra a exploração abusiva de seu corpo. E nós não passamos de vírus, de bactérias amargando sua auto-defesa.
É bom se sentir sozinho na Baixada Fluminense, pois assim quando ela estiver submergida sob as águas das enchentes – Atlântica contemporaneizada entre o teatro do absurdo e o humor negro – o controle de mim mesmo que implica na cruel sensação de não ter feito o suficiente, de não ter amado o suficiente vai doer menos. Assim como vai doer menos a descoberta de que não se é parte do mundo e sim o próprio mundo.
Os livros soterram palavras, pensamentos e sentimentos, mas a natureza soterra pessoas e livros. As casas viram capas de livros semi-abertos sobre o chão, desabados sobre histórias inacabadas; tramas não concluídas; personagens que não se definiram.
Quantas vezes fiz amor com meu travesseiro para calar o faminto felino predador que tentava sair de dentro do meu coração-jaula e devorar sua apetitosa presa sobre as poças d’água, sobre os pântanos, sob a chuva. Quantas vezes violentei meu travesseiro para no fim acreditar que era um passarinho a se equilibrar sobre o mais leve graveto, na mais alta abóbada de uma gigantesca árvore qualquer na esperança de poder presenciar melhor a promiscuidade dos relâmpagos e das trovoadas. Tudo isso antes das catástrofes fugirem das telonas de cinema norte-americano e me ameaçarem. Mas agora lembro que não é a todos que meus pensamentos e sentimentos interessam.
Os morros-bibliotecas-encostas desabam sobre casas-livros-enciclopédias onde vivem pessoas-sentimentos-pensamentos-ideias.
Marcio Rufino