1) As duas dimensões dessa reunião: a cartografia e a proposta do Paulo Herkenhoff, Diretor Cultural junto ao Instituto Odeon/Museu de Arte do Rio-MAR, as quais acrescento horizontes tirados de meu recente episódio no MAC-Niteroi e de Pablo Ramoz, em sua recente palestra e seu texto de 2012, quando abordou museu e cultura.
Olá Angela e colegas quebradeiros! Este texto é uma provocação, e também um passo para entender os conteúdos discutidos entre nossos encontros e nossa breve reunião.
Começo pela confusão: uma chamada pessoal foi feita pelo Paulo, que despertou uma grande curiosidade. Em linhas gerais, ele falou em alunos de algumas escolas públicas, eleitas através de uma lista “das piores”, que estarão incluídos em um programa de aproximação com o universo artístico do MAR.
Como intermediários, entre escola, arte e sociedade, abriu-se uma oportunidade dada ao projeto UQ, onde nós quebradeiros, figuramos como produtores de arte e conhecimento, “especialistas” nos problemas sociais, e potencialmente sensíveis ao processo educativo proposto. Dito isso, nada mais podemos concluir sem a direção da UQ se pronunciar a respeito.
Apesar de eu mesmo ter me perdido dos propósitos de nossa reunião, creio que um movimento possa servir ao outro. Angela Carneiro trouxe como proposta: “a formação de um grupo de trabalho de produção de novas cartografias” […] “e os processos que nos trans-ver-satilizam” […] “para desenhá-las esteticamente, mesmo que provisórias e parciais, mas intensas enquanto durem.”
O quanto a realização desta cartografia não poderia se encaixar naturalmente na proposta aberta pelo MAR? Pense nos quebradeiros como “um encontro de poetas, atores, dançarinos, artesãos, videografistas, cineclubistas… Um happening das quebradas!” E se colocamos isso dentro de um cronograma adequado, com certeza estaremos reforçando laços, entrosando artes, numa construção de referências identitárias que ainda podem abrigar a proposta do MAR.
2) Tempo: 6 meses de Angela, indeterminado em Paulo
Uma questão inconclusiva surge de Paulo não ter desenvolvido o projeto em detalhes, no tempo, no espaço; não nos deu concretude. De concreto é a visão passada por nossa querida direção de que esse laço deve acontecer.
Por outro lado, um sentimento de pertença “das quebradas” é não ser usado em trabalho voluntário, não remunerado ou algo assim. Creio que foi exagero pensar que seria dessa forma. Como também vieram exageros quando pensamos em artes particulares, de dimensões maiores, que exigiriam uma verba… Além da imaginação. Perdemos tempo com isso.
O tempo estipulado pela Angela, para realizar as cartografias, __entendi__ que serão seis meses. Se coincidirem os tempos, a cartografia poderá incluir as experiências, ainda vaga hipótese, que serão dadas pelo MAR como educação e arte.
Alguns trabalhos possíveis foram citados, como o do Egeu (relicário significativo), a Rute citou seu trabalho de entrelace, e o Poeta Xandu pessoalmente empenhou-se em defender o “site specificity” como proposta – essa que veremos agora.
3) Site Specificity – o que é?
Por “site”, chamo um “dado ambiente”, não um sítio como entendemos, lugar rural… E sua “specificity” são as qualidades humanas que serão trabalhadas.
(Existe uma bibliografia para este assunto, e outros da Arte Contemporânea, que posso trazer mais adiante.)
Site Specificity – Então, trata-se de uma maneira artística de revelar um prédio, museo ou qualquer outra arquitetura, ou espaços urbanos mesmo. Sua dimensão ESPACIAL é a riqueza principal, matéria pura, concreta. Isso precisa ficar bem claro…
Specificity 1 – Para contemplar o espaço busca-se nas qualidades humanas alguns motes para serem trabalhados. Como tempo, há uma história embutida na edificação, que pode ser historiografia urbana comum. Tempo, também é a rotina na paisagem, fatos do cotidiano, épocas do ano, chuva/sol, pessoas circulando. Ou um tempo onírico, não revelado de imediato, mas guardado na relação entre pessoas e o lugar escolhido, que pode ser encontrado em personagens do folclore local, ou nos tipos humanos dali.
Specificity 2 – É este fator temporal que pede o uso de conceitos da Arte Contemporânea, como: Mito/Ritual; Performance/Persona; Iconografia/Iconologia. São dimensões um pouco complicadas, pois não devem ser tratadas com desleixo, de modo raso – sob risco de desandar o processo artístico.
4) Uma construção Contemporânea possível: entre erguer um mito/persona e instalar objetos icônicos.
Para o fim de termos uma arte de coletivo é preciso trabalhar nossa cartografia humana, como já é a proposta inicial. No início vamos pesquisar, buscar em nós e/ou no material humano disponível, para realizar eleições de peças que combinem dentro de uma estrutura.
Se vamos mostrar o ambiente “site”, a sociologia urbana oferece vasto material discursivo, de onde podemos tirar frases para delinear “mitos urbanos”. A este conjunto de mitos do “site” então podemos somar outros, tirados da população da UQ, ou dos tipos ao redor do MAR, ou dentro.
Mesmo com esses dados humanos já trabalhados, teremos que enfrentar a redução dos personagens aos traços de mito ou persona.
Mito – refere-se a uma dimensão de psicologia social, como lendas partilhadas em sociedade, motes oníricos que orientam a conduta em sociedade. Pode-se trazer mitos da cultura ocidental, gregos, ou outros, de caráter local, ou africanos, chineses, conforme a ideia.
Ritual – na maioria das vezes se dá através de uma cartografia religiosa, mas também em movimentos culturais coletivos, como o samba, ou simples gestos repetitivos do cotidiano. A dimensão ritual está aberta a misturas, aproximando passado e tempo atual, como um samba que “pode” ser realizado através de linguagens atuais, do hip hop ou do funk… Importa observar: se levamos ritual como arte, o público precisa participar, sendo convidado e livre ao mesmo tempo.
Persona – refere-se a um dado destaque tirado de máscaras sociais, algo como um clima emocional, quando o performer assume estado: triste, ira, sério, clown… O performer pode ser também em coletivo de atores, sempre não teatrais, mas compromissados com a máscara. Essa máscara possui uma função diante do público, precisa tocá-lo.
Ícones – qualquer tipo de arte visível: decoração, pintura, escultura, quaisquer objetos eleitos. Para nosso grupo na UQ é um meio de comportar aqueles não afeitos a exposição em público, ou aqueles de apego a materialidade de suas artes. Por iconologia teremos o fazer, a construção e o encaixe dessas peças dentro dos campos eleitos anteriormente.
5) Caminhos possíveis para um coletivo: trabalhar identidades, definir o sítio, trabalhar o espaço, conciliar o tempo entre a UQ e o sítio definido.
Como minha intensão foi apenas elaborar as ideias principais, não imponho absolutamente nenhum caminho sólido. Trago o que há de potência em mim, processos que já trabalhei, experiências construídas no ambiente das ONGs, agora mescladas ao espírito artístico.
Um primeiro passo é trabalhar a IDENTIDADE DE COLETIVO, distinguindo aquilo que brota como pessoal dentro do grupo daquilo que é próprio dos mitos e rituais da sociedade.
São trabalhos artesanais que fiz com crianças, mas que fazem brotar dimensões profundas, como jogos entrelaçados:
As Mãos Qualitativas, jogo que propõe expor conceitos de auto-estima
Colagem simples, donde se retira imagens eleitas pelo grupo, mas podem ser também objetos, ou qualquer coisa, importando apenas a eleição visual.
Mapas Urbanos, jogo que propõe uma cartografia de deslocamentos pela urbe
São muitos os jogos possíveis, onde pode-se trabalhar temas como raça, periferia, indústria etc. Dica: Augusto Boal possui um livro muito importante sobre identidades dentro da vida social, na perspectiva do Teatro do Oprimido. Depois trago o nome certinho, pois não tenho em mãos.
Com esses identidades trabalhadas, daí sim, podemos iniciar o jogo artístico em si, elegendo formas relacionadas aos macro-conceitos já explanados acima.
Espero ter contribuído, que possamos realizar o projeto da melhor forma, e tudo isso que escrevi pode ser descartado sem me causar qualquer dano moral ou de qualquer tipo.
Beijo
Poeta Xandu
[ZineZeroZero – em evolução]
Imagem: A cidade e a documentação dos incêndios, Cadernos da Beá Meira