Paulo Lins comenta o rolezinho no jornal espanhol El País

“Não vejo nada de espontâneo neste fenômeno”

O rolezinho é uma forma de trazer à tona o fato de que o Brasil é um país racista e demonstra que é uma manifestação extremamente política e organizada. Não vejo nada espontâneo neste fenômeno. Acho que o debate público na periferia do Brasil está muito grande. Desde os anos 90, a música, a literatura, a poesia, o rap são muito políticos e esses jovens se ligam assim na política, ouvem as pessoas falarem, debaterem. Eu mesmo já organizei vários debates com crianças nas favelas. Os políticos não estão percebendo que a periferia está mudando, que não aceita mais os desmandos políticos. Hoje você conversa com um jovem de 15 anos da periferia e ele sabe tudo o que está acontecendo, apresenta as mesmas ideias que um jovem do centro da cidade.

A resposta das autoridades diante do rolezinho não é novidade, sempre foi assim. Se entrarem cinco negros num shopping a segurança vai ficar olhando, vai ir atrás. A polícia brasileira é a que mais mata jovens negros. Todo mundo sabe disso. O Brasil é um país racista, como a maioria dos países na Europa, como os Estados Unidos. Isso acontece no mundo todo e os jovens de periferia estão cansados de ver isso. Uma menina de 15 anos que morava no morro recebeu 1.000 reais de presente de aniversário do pai para comprar um vestido. Ela era barrada nas lojas de grife, não conseguiu comprá-lo. Tenho uma amiga francesa mulata, que chegava nas boutiques de Ipanema e o pessoal queria botar ela para fora, até que ouviam o sotaque.

Mas o problema não é as pessoas serem racistas, é as instituições serem racistas. Não posso mudar o racismo pessoal, agora, quando é o Estado que é racista temos um problema. Essa forma de racismo é a que causa a violência. Uma classe média inteligente vai entender que essa forma como tratam a essas crianças nos shoppings é um dos principais motivos que causam violência.

A classe média tem que abraçar essa causa para viver num pais melhor. Roubo e arrastão sempre houve em qualquer situação. O importante é que as pessoas que não fazem isso estão lá também. O mais importante para nós, para imprensa, deveria ser o fato político.

 Paulo Lins é escritor, autor de Cidade de Deus

 

Leiam a matéria A rebelião dos excluídos na íntegra aqui:
http://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/14/politica/1389736517_226341.html#alba