A mulher de hoje em dia, por Marcio Rufino
A lua estava deslumbrantemente linda naquela madrugada de segunda para terça, quando eu e meu amigo, o poeta e sociólogo Henrique Souza, saímos do Sport Club Iguaçu da festa de aniversário do cantor e compositor Daniel Guerra e caminhamos até o centro de Nova Iguaçu. Quando chegamos na Otávio Tarquínio, Henrique tomou seu rumo e eu segui o meu olhando para a lua cheia, imponente, inteira, poderosa, resplandecente; luzindo na escuridão enigmática do firmamento. Hipnotizado como eu estava por aquela lua, se viesse um ladrão me roubar eu nem me daria à mínima conta disso. Mas a baixada, graças à Deus, ainda é um pedacinho de Rio de Janeiro onde se pode respirar um mínimo de liberdade ingênua no caos urbano do cotidiano.
Quando cheguei ao ponto para pegar a kombi que me levaria à Belford Roxo, vi parado ali um lindo casal de jovens negros abraçados se beijando apaixonadamente. Seus braços, lábios e coxas se articulavam e interagiam de forma tão harmoniosa que pareciam fundi-los em um só como numa experimentação alquímica. Para uma madrugada sedutoramente enluarada como aquela, não poderia existir cena que viesse a calhar melhor.
– Que horas você vai ligar pro meu celular? – Perguntou ela num frenesi.
– Lá pra de tarde! – Respondeu ele num sorriso sem-vergonha de sátiro do bosque.
Enfim a kombi chegou. Como o casal demorava a se entreter no sensual entrelace, tomei a liberdade de ser o primeiro a entrar. Alguns sedentos e calientes minutos de pegação depois, a moça se despediu do rapaz entrou na kombi e sentou-se completamente relaxada na poltrona a meu lado.
– Ai, meu Deus! Quando eu chegar em casa meu marido vai me matar! – Disse ela num sorriso puro de menina sapeca.
Eis que surgiu em mim um choque.
– Ah! Você diz à ele que estava fazendo serão até mais tarde! – Respondi cínico.
– Mas eu não trabalho não, moço! – Respondeu-me num ar escorregadio. – Tô na rua desde às 18:00. Tô aqui só imaginando a cara dele quando chegou em casa e viu as crianças sozinhas sem eu lá.
Quase que eu gritei: “sua sem-vergonha, vagabunda. Você não tem vergonha na cara sua cachorra?”.
– Hoje em dia o homem aceita tudo de uma mulher bonita como você! – Acabei falando amigavelmente.
– Que nada! Quando eu chegar lá em casa vou encontrar minhas coisas na calçada. Aliás… As minhas não… As dele… O quintal é meu!
Quando a kombi chegou no bairro Heliópolis ela pediu para o motorista parar no próximo ponto. Chegando lá.
– Tchau, moço!
-Tchau, gata!
E ela desembarcou, atravessou a rua e seguiu adiante levando consigo, como um anjo que leva sua auréola, a bela, rechonchuda e iluminadíssima lua cheia daquela arrebatadora madrugada.
Crônica de uma aula quebrada, por Sandra Maya
Chego atrasada de novo (não por opção), numa hora imperdível, se pudesse teria evitado!.
Mas mesmo com o bonde andando peguei o ritmo do tempo. Falava-se sobre “Crônica”, o que é?
Crônica me parece um conto contado em ritmo de reportagem. É achar um acontecimento escrito, ou escrever um fato que se viu, ou se pensou. Escrever poetisando um fato ou acontecimento.
Mas seja o que for, estou vendo, escutando, aprendendo. E sabe o fator primordial de estar aqui? A narradora do evento, porque essa aula é um evento! A professora ou colaboradora do nosso aprendizado reina no seu pedacinho de chão, seu palco do saber.
Uma aula de português, literatura, gramática e língua portuguesa dada por tal mestra é um deleite aos ouvidos.
Poeticamente falando: “Uma nuvem de algodão doce que envolve nosso cérebro”.
Faz gostar do que é chato (me desculpem, mas português é meio chato), faz despertar a curiosidade, faz querer aprender, saber, ser escritor. Da gostinho de quero mais, da vontade de ler.
Fiquei sabendo que seria sua ultima aula hoje. Do que? Do mês, do semestre? “No way”, sem chances, senão perde a graça!
Nada que vem dessa mestra nunca será a última coisa dada pois está sempre se renovando, passa amor ao que ensina numa linguagem fácil, cotidiana e interessante. Gosta de ensinar e o faz brincando, jogando, cantando, dançando, a dança das letras, dos textos, das frases.
E isso não tem preço, porque o que ela passa é apenas o início, o início do sem fim. Nos dá o conhecimento, desperta curiosidade, faz brincar com as palavras, no papel, na cabeça, e de graça… e com graça.
“Minha gente!” é o seu brado de convocação.
Sandra Portugal, me desculpe a bagunça poética, roubartilhando Mario Quintana, lá vai numa ideia existente uma poesia recorrente: “Sandra nunca passará, nunca acabará, nunca terminará em uma última aula. Ela passa pelas nossas vidas distribuindo saber, enriquecendo nosso dia a dia, dando beleza a linguagem, sabiá cantor, nos faz alçar voo no nosso conhecimento.
Sandra nunca passará, pois do saber,
é passarinho.