Nosso 4ª e último território das quebradas foi constituído de uma bela mesa intitulada – Fragmentos de um encontro amoroso – moderada com muito esmero por Serginho Telles. Os cinco alunos que se apresentaram, mostraram muito bem o que é ser um quebradeiro, nesse diálogo com Barthes!
Após um prefácio colocado a partir da ideia textual de Felipe Boaventura, sobre o que são plataformas, inspirada na canção de Milton Nascimento, Encontros e Despedidas, o moderador Sergio Telles nos conduziu para esta paratática – O que nos mantém nesta estação? E anunciou os participantes, repleto de discurso amoroso.
O produtor cultural, músico e compositor, Alex Nistaldo abriu os trabalhos. O Misturando o Som é o seu território. O samba que deu início a sua fala Aquele abraço, de Gilberto Gil, nos revelou seu lugar de origem – Alô Alô Realengo! E afirmou – “Essa música representa muito para mim”. Criado por ele, o Misturando o Som é um evento que reuni os amigos artistas do bairro e recebe artistas de outros. O encontro é plural, reune pessoas que curtem trocar idéias e seus fazeres culturais. Para Alex, o bairro de Realengo passou a ter uma imagem negativa após a tragédia que ocorreu numa escola em 2011. Ele não se conforma com a exportação dos artistas do bairro para os grandes centros culturais. Por que não aproveitar os talentos do bairro, por que eles têm de vender suas forças de trabalho para outros lugares?
Misturando Som é um evento periódico e que depende de colaboração de terceiros, a ideia de Alex é promover oficinas de todas as linguagens artísticas, e aproveitar este espaço para todos os tipos de debates. O projeto tem como princípio ensinar e trocar conhecimentos, ensinar música e organizar debates sociais. Sobretudo, o mais importante é que o bairro cresça e que os artistas sejam reconhecidos. Enfatiza – “A gente só exporta, eu quero trazer a galera pra cá (…) quero mostrar pra garotada daqui, que existem outras possibilidades além de jogar bola e ser cantor de funk”. E finaliza – “Eu acho que aproveitei esse território para desabafar!”
O estudante de Belas Artes da UFRJ, Jandir Jr nos apresentou um territórios muito original, partindo da dúvida e das incertezas da arte. Seu campo territorial – Pendular – crise, crivo – é seu conflito entre “o que vivo” e a “análise criteriosa” da organização do mundo que se diz neoliberal e as coincidências da arte. Este conflito está representado por uma vírgula, que pode ser interpretada como uma pergunta sem resposta. Jandir falou de que maneira Hélio Oiticica desconstruía os modelos de se pensar e fazer arte no Brasil. Apresentou os Parangolés, com os quais Hélio problematizou a arte, pois ele não estava interessado em representar uma cultura popular, mas sim propor a participação do público na obra. Sendo assim, o artista surge como alguém que coopera para construir a situação da arte. O próprio quebradeiro revela algumas destas situações em seu percurso; utilizava as bobinas da empresa onde trabalha para realizar suas gravuras, ou utilizou o scaner para seus experimentos com objetos. A coincidência é um ponto que levou Jandir a questionar a arte. Fotografias que se coincidem, poses similares, e até um dicionário em branco que encontrou na rua, deixaram Jandir perplexo. A ligação que ele estabelece entre a fotografia do astronauta brasileiro e o desenho do seu sobrinho são coincidências que o intrigam.Entretanto sua preocupação era de não estar sendo permeado pelo outro, de não conseguir chegar lá, de não abrir espaço para o desconhecido. Percebeu que estava sendo permeado há muito tempo, com a música, fazendo parte de uma banda. E mais fabuloso de tudo, confessou para turma que foi através de uma pichação do quebradeiro e rapper Nuno DV que decidiu estudar arte. E a experiência com a arte o levou a muitas reflexões. Experimentando um jogo do copiar a frase à vida numa espécie de telefone sem fio, ele pode se deparar com uma vida irreconhecível na vigésima cópia. O clube do silencio, panfleto que distribui, estimulando o desafio “escreva uma história até a tinta da caneta acabar” é um de seus rompimentos com o apego da produção artística, sem alimentar a pretensão de controlar o que irá acontecer a partir de sua proposta. Jandir finalizou com seu último jogo poético.
Pique-pedra
Número de participantes: indeterminável
Duração: indeterminável
Regra: descolar pedras
E acrescenta o desfecho pendular – “Vou terminar sem uma resposta”.
Cursando dança pela UFRJ, professora de dança contemporânea e danças populares, atuando em projetos sociais, Jéssica Castro apresentou o seu território: A roda. Declamando um trecho do poema Navio Negreiro, de Castro Alves, a quebradeira demonstrou ser a pura ancestralidade. Sua vocação ou missão, como ela mesma diz, para com o jongo é de arrepiar. As questões que a colocaram neste processo até aqui, foram: Quem sou eu? Que cor é essa? Que cabelo é esse? Não somente precisava se libertar, mas viver uma cultura que não estava na televisão. Conheceu o jongo ainda no curso de pedagogia na Estácio de Sá, depois freqüentou o curso da professora Denise Sá no Sesc São João de Miriti.
A quebradeira refletia sobre o que era o jongo – “Olha que o jongo fala de uma liberdade no meio de uma senzala e açoite”… E conclui que isso era a sua roda viva, a roda que pensa, que é cíclica e nunca para. Atualmente, Jéssica faz parte do movimento Jongo da Lapa, uma roda que acontece na rua toda 1a quinta feira do mês, e do Jongo da Serrinha, comandado por mestre Darcy. Jessica contou que o Mestre desceu do morro para as ruas e reinventou a dança. Elucidando, o jongo como uma plena roda viva, onde duelam brancos, pretos e mestiços. Segundo Jéssica, a questão mais importante é a de que a libertação aconteça para todos. Esclarece que “falar de jongo é falar de mestres ancestrais, os nossos pretos velhos (…) é por isso que ao entrar na roda pedimos licença ao tambor (…) e jongo também é demanda (…) era o momento que os negros tinham pra relaxar a dor”. A dança da umbigada entre casais geravam os filhos, e foi assim que a Jéssica teve o seu, um filho do jongo! Com a força deste território-aula, nunca esqueceremos que “jongueiro é demanda”’: aquele que entra na roda e provoca, debate e confronta, mas com sabedoria para demandar. E pela fala a quebradeira concretiza a sua missão, desmistificando os pré-saberes da dança, destinadas para negros. Ela fala de um jongo feito por ciganos e afirma que é preciso ter tolerância. -“Por isso cante, dance, jongue! Somos todos livres. Axé para todos nós!”
A publicitária e estudante de mídias sociais na UFF, Karen Kristien, teve como tema de seu território “Biografia e outras questões”. No início de sua fala, ela se apresentou de uma maneira espontânea e divertida, abordando assuntos como identidade, experiência e memória. A Universidade das Quebradas foi e tem sido de suma importância para ela no âmbito reflexivo sobre diferentes temas, os quais provavelmente não seriam vistos ou reparados no dia-a-dia. Karen também falou sobre a importância do papel social de cada individuo, no que diz respeito à maneira que nos colocamos no mundo. Em sua majestosa finalização, ela nos convidou a nos vermos como um projeto em constante elaboração, buscando sempre o autoconhecimento.
“Na rua se respira poesia”, é assim que a criadora do Sarau V e poeta, Janaína Tavares abriu o seu território. A produção independente comandada por ela, acontece na rua, por que segundo Janaína “as ruas que passam por mim e me dizem quem sou”. O sarau acontece na Praça dos direitos Humanos em Nova Iguaçu, um lugar que tem pouco movimento à noite. O evento contempla além de poesia, jazz, maracatu, cinema e debates. Para Janaína, o sarau é um espaço de protagonismo e o microfone é aberto para todas as discussões que são pertinentes e atuais: desmilitarização, legalização da maconh, entre outras. A experimentação é o futuro do espaço público, da arte pública, assim ela se refere a Amir Haddad. Portanto, acrescenta veemente “acredito que a rua é o espaço democrático (…) devemos repensar o espaço urbano e a forma que dialogamos com esses espaços”. A sua proposta é a de re-significar os espaços vazios, ocupar, tomar e principalmente dar voz. É a partir desse movimento que é possível se imprimir na cidade como uma pichação, já que toda escrita é carregada de memória. O sarau V, v de viral, quer ocupar a cidade. E pretende ocupar outros lugares também. Sobretudo, é um movimento de apropriação da palavra espaço.
“Escrevo porque o instante existe.
E a minha vida está quebrada. Não
sou alegre nem sou triste. Sou
escrava da palavra.”
E para encerrarmos, fiquemos com o remate dos trabalhos pelas sábias palavras de Heloísa Buarque de Hollanda: – Esse encontro, esse diálogo entre os territórios, tudo isso é essencial para que se produza o outro. Esta é a cultura do século XXI”. Viva as quebradas!
Octávio Neto – Bolsista PIBEX PACC\UFRJ
Rafaela Nogueira – Bolsista PIBEX PACC\UFRJ