Morador do Pereirão refaz as favelas do Rio em maquete e espalha fama pelo mundo
Escondida dentro da favela do Pereirão, nas Laranjeiras, existe uma outra favela. Outra não, várias outras. Em meio a mangueiras e jaqueiras, o Projeto Morrinho recria dentro da comunidade um universo tão próprio de todo o Rio. A instalação faz com que as pessoas se percam facilmente no Maracanã, Arcos da Lapa, nos detalhes que povoam o lugar…
“Meu irmão Maycon e eu começamos isso aqui como uma brincadeira. Um dia nossos amigos viram, resolveram participar e a coisa acabou se tornando séria”, conta Cirlan Souza de Oliveira. Séria não, sagrada. Diariamente ele limpa, pinta, cria e reforma os 500m² do seu santuário particular. No ano passado, durante as chuvas de verão, parte do acervo erguido em anos de labuta foi destruído: galhos das árvores que embelezam a instalação caíram e levaram sua ‘favela’ morro abaixo—como acontece na vida real. “Sentei no meio dos escombros e chorei.” Parte do que ficou intacto está no Hall do Museu de Arte do Rio (MAR).
Cirlan não desiste fácil. Ele começou a reconstruir a instalação e garante que ela, ainda este ano, chegará a 600m². A obra, feita com tijolos, foi criada há 16 anos, por 16 amigos, e inspirada pelos brinquedos Lego. “Um dia eu olhei e achei que dava pra fazer uma casinha com isso”, relembra.
Basicamente existia apenas uma regra: “Nada de meninas”, conta ele aos risos, que já chegou a terminar com uma namorada quando ela mandou escolher entre o projeto e ela. Ele garante que não faria isso hoje, mas também não se arrepende da decisão que tomou na época. “Vivia outros tempos. Éramos muito novos e isso aqui era mais importante para a gente.” Tão importante que o grupo de amigos sempre dava um jeito de ‘matar aulas’ para poder se dedicar à construção que virou seu sustento.
“Um dia, o professor de Biologia, o Rodrigo, não aguentou e quis saber aonde estavam todos os meninos da sala. As meninas acabaram dedurando e o trouxeram aqui. Ele ficou doido e nos deu autorização para continuarmos ‘matando aula’, contanto que continuássemos cuidando disso aqui.” A ‘descoberta’ do mestre não ficou apenas nisso: o professor chamou um amigo cineasta, que contou para outro e acabou chegando a alguém da revista National Geografic, que fez um documentário para sua TV e alavancou o projeto internacionalmente. “Viajamos para a Espanha, Barcelona, Itália, Noruega e Alemanha”, enumera Cirlan.
Os cineastas ainda tiveram a ideia de deixar uma câmera com os adolescentes e, ao voltarem, ficaram impressionados com o trabalho que eles desenvolveram. Ato contínuo, os ensinaram a filmar e editar. Nascia assim a TV Morrinho, que além de um canal no YouTube (http://www.youtube.com/watch?v=1Sywy4auhWo) ainda oferece oficinas audiovisuais às crianças do Pereirão. Enquanto fala, Cirlan faz questão de apresentar seu estúdio e atores: bonecos lego que ele e os amigos customizaram. “Até as vozes eram feitas por nós.” A sala da casa de pau a pique é toda decorada com imagens das viagens e peças feitas pelos visitantes—ele recebe turistas agendados e está sempre aberto a novos grupos. “Quem quiser pode fazer seu próprio Morrinho. Se quiser, o turista pode levar. Se não, deixa aqui e ajuda a aumentar a instalação.” E você, o que faria?
COMO CHEGAR
Na Rua das Laranjeiras pegar a Rua Pereira da Silva e subir a ladeira até o final. De lá, pegar a escadaria do lado direito e seguir as placas indicativas espalhadas pelo morro. O ingresso a partir de R$ 35 para turistas nacionais e R$ 50 para estrangeiros. Informações: (021) 98308-6298, 96802-5844, 96550-8916 ou 99483-1263. Os agendamentos devem ser feitos com no mínimo um dia de antecedência.