Nosso último encontro foi marcado pela presença do diretor cultural do MAR, Paulo Herkenhoff, que abriu os portas para receber outros museus. A partir das questões levantadas para este encontro, “Que museu nós queremos?”, e, “Museologia clássica e comunitária, um diálogo possível?”, a proposta foi incorporar novas falas e experiências para conhecer o trabalho de museus que atuam fora do centro, em seus territórios, e pensar de que forma podem contribuir para a abertura de seus portos patrimoniais.
A ideia do encontro vem da consciente necessidade de discutir, atualmente, que tipo de museu a sociedade quer e como o instituto trabalha para a valorização do espaço comunitário. Para Paulo, o MAR vem aprendendo com essa iniciativa, pensar o que a cultura pode fazer para melhorar a escola, e diante desse desafio, se preocupar em inserir uma linguagem mais atual para os jovens, principalmente, as crianças. Declara que os projetos do museu estão em prol do desenvolvimento educacional, pois vê neles a importância de estimular o processo de aceleração de aquisição de vocabulário da criança. E atenta para nos mobilizarmos, pensarmos de que forma podemos tratar a escola a partir das Quebradas, conjurados por uma perspectiva que promova um museu significativo para a cidade.
Pablo Ramoz, organizador e moderador do encontro, esclareceu que a museologia clássica enquanto preocupa-se com a conservação das obras – no que se refere ao plano material, esbarra, hoje, numa nova museologia que se estrutura sob um viés mais social. Trata-se de incorporar ao território o seu patrimônio e a população. Esta nova museologia propõe que haja uma dialética entre meio ambiente (território cultural) e memória (museu), pensando que ambos precisam se relacionar com objetivo de valorizar a memória cultural de uma determinada região – como patrimônio imaterial. Os museus convidados para este encontro com o MAR foram: o Ecomuseu de Sepetiba, Ecomuseu Nega Vilma do Santa Marta, Museu Vivo de São Bento de Duque de Caxias, Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea de Jacarepaguá e a quebradeira Karen Kristien e sua ideia exposta no Museums Showoff Rio.
Falando pelo Ecomuseu de Sepetiba, Bianca Wild nos trouxe o movimento SOS Sepetiba, movimento que luta pela recuperação da baía de Sepetiba, que vem sendo degrada desde a construção das indústrias na década de 80. Sepetiba é um território de patrimônio cultural nacional, que foi frequentado pela família real e sua armada marítima. A região é marcada por várias ocorrências histórias, uma delas é a tragédia da ilha do marinheiro em 1893. O bairro foi cenário para a novela O bem amado, em 1973, na qual os comícios do personagem Odorico Paraguaçu foram gravadas no coreto da praça. Entretanto, os moradores não tinham conhecimento da importância história de Sepetiba e sem este reconhecimento é difícil desenvolver as potencialidades econômicas. O Ecomuseu é uma iniciativa para o desenvolvimento socioeconômico local, investindo na valorização dos patrimônios públicos e históricos e passeios de reconhecimentos das áreas de Sepetiba. É, portanto, através da consciência deste reconhecimento que se constrói uma memória e se desenvolve um futuro, diz a representante do Museu, “Espelho onde se revê e se descobre a própria imagem”. Os passeios de reconhecimento a Ilha do Marinheiro e ao Antigo Caminho do Cais Imperial, acontece todo o primeiro domingo de cada mês domingos, às 9h, a partir do coreto do bairro.
O museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea foi representado por Bianca Bernardo e a quebradeira Iris Medeiros. O museu localiza-se na zona oeste do Rio de Janeiro, no bairro da Taquara, no antigo centro de psiquiatria, conhecida como colônia Juliano Moreira. O instituto recebe o nome do artista, Arthur Bispo do Rosário, diagnosticado esquizofrênico, que viveu na colônia, por mais de cinquenta anos, onde produziu suas obras. Reconhece-se que a colônia não é só um hospital, agora é um bairro, porém, pouco se sabe da história desse lugar, afirma Bianca. Um dos projetos do museu aconteceu em parceria com a escola Municipal Juliano Moreira, quando se passou a discutir sobre o processo de efetivar a relação do museu com a escola e outros espaços e, consequentemente, diagnosticar problemas durante a parceria em reunião com educadores. Os problemas enfrentados por essa parceria levou a muitas transformações, pois se deu na prática vivencial e experimental. Assim, as áreas foram se conhecendo, alunos conheceram artistas locais e moradores visitaram o museu pela primeira vez. Hoje, os alunos querem voltar ao museu e os artistas podem interagir diretamente com alunos e professores, como no caso do artista plástico Franklin Cassaro, apresentado por Iris, que compartilhou a técnica de confecção de infláveis com alunas da Faculdade de Educação. Segundo Iris, alguns alunos de escolas de Maricá e São Gonçalo estão pensando em estudar saúde mental depois da aproximação com o hospital psiquiátrico e a vivência do processo de parceria entre museu e escola.
O Ecomuseu Nega Vilma, representado por Fabio Helio e o quebradeiro Nelson Crisóstemo, é localizado na comunidade Santa Marta, em Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro. Este projeto surgiu da ideia de preservar a memória de um lugar especial e de disseminar as manifestações socioculturais locais, assim como estimular o registro de muitas outras existentes na comunidade. As atividades culturais propostas configuram-se em oficinas de memória, música, arquitetura do papelão, contação de história oferecidas no espaço do Ecomuseu Nega Vilma. Além das oficinas, entende-se como atividade cultural a recuperação e tratamento do acervo videográfico e a criação de uma minibiblioteca permanente, com a função de registrar, editar e disponibilizar para as pessoas a memória de figuras e histórias marcantes na comunidade Santa Marta. Dentre os objetivos do ecomuseu estão, a consolidação para continuidade de ações socioculturais e de atividades ecológicas, bem como a disseminação e registro do patrimônio imaterial local. Resgatar e preservar a memória e a cultura da comunidade, abrigar espaço cultural multimídia, de uso coletivo e regularizar, documentar, compilar e conservar o acervo do museu. Entretanto, o objetivo maior é a construção de uma escola no alto do morro para atender toda a comunidade.
Criado pelo esforço dos profissionais da área de educação da cidade, Museu Vivo do São Bento, localizado na APA do bairro do São Bento no Município de Duque de Caxias, é o primeiro museu de percurso da Baixada Fluminense. O espaço qualifica a ação do homem/mulher em seu tempo e em seu lugar. Esta ação é compreendida através das intervenções humanas e recontada como ação político-pedagógica. As ruínas de uma antiga fazenda dão lugar a um Museu de Percurso. A fazenda mais antiga de Duque de Caxias surgiu em 1591 com a compra de parte das terras de Cristóvão Mosteiro pelo Mosteiro de São Bento e a doação feita pela mulher do antigo dono. A fazenda iniciou o processo de colonização do Vale do Rio Iguaçu. A Casa Grande foi construída anexa à capela entre 1754 e 1757, sendo um local para abrigar padres para descanso ou fora do sacerdócio. A atividade econômica da Fazenda baseava-se na produção de farinha e fabricação de tijolos. Em 1921, o terreno foi desapropriado para sediar uma colônia agrícola. O percurso do museu passa pelo portal de entrada, o núcleo colonial de São Bento, a antiga farmácia, a capela de nossa senhora do rosário dos homens de cor, a antiga escola Nísia Vilela, a reserva ambiental do morro da marinha, a casa do colono, o São Bento esporte clube, a reserva ambiental e o sambaqui do São Bento. A professora de história, Marlucia Santos de Souza que apresentou o projeto do Museu contou a luta dos professores e outros agentes da comunidade para preservação dos patrimônios da cidade Duque de Caxias e frisou que todo este patrimônio foi sempre administrado como coisa pública e não como Organização civil.
No encerramento, a quebradeira Karen Kristien falou sobre um projeto de curadoria coletiva para artistas periféricos em museus e outros espaços, que foi apresentado no seminário Museums showoff que acontece em vários lugares do mundo. Em sua apresentação, ela levantou questões em relação à não representação dos artistas, o desconhecimento em relação aos canais de comunicação, a transparência em relação as formas de acesso. Um dos principais pilares desse projeto é a desmistificação do espaço do museu para os artistas periféricos e o advento de propostas reais que possam ser efetivadas.
Octávio Neto – Bolsista PIBEX PACC\UFRJ
Rafaela Nogueira – Bolsista PIBEX PACC\UFRJ