Pós-aula 3: Psicanálise – Numa Ciro

Nossa aula do dia 26/08/14 foi intensa. Vimos a psicanálise em seus primórdios e suas evoluções. Somos seres da linguagem, e por isso, leia a pós-aula e faça seus comentários!

Felipe Boaventura

Comunicação Universidade das Quebradas

 

por Rafaela Nogueira – Bolsista PIBEX PACC\UFRJ

“A arte nos diz coisas sobre o mundo que é incompatível com a nossa consciência e que se tornam suportáveis.”

Numa Ciro

 

Que poder a linguagem exerceu para o surgimento dos estudos da psicanálise? A coordenadora da UQ, atriz, psicanalista e professora, Numa Ciro, nos levou em sua aula a refletirmos sobre a função da linguagem e essencialmente sobre a fala e a escuta. Para Sigmund Freud, as histéricas foram fundamentais para o nascimento do que viríamos a conhecer como psicanálise. Para Numa, “as histéricas inventaram a psicanálise”. A histeria, que se convertia em sintomas corporais como endurecimentos, desmaios, vertigens, causou muito espanto a Freud, que decidiu submeter suas pacientes às práticas de hipnose. Entretanto, de que invenção se tratava àqueles sintomas se não havia nenhuma doença anatômica? Freud abandona o hipnotismo, percebendo que o processo era falho, já que a pessoa não se lembrava de nada depois que saía do transe. Na verdade, tratava-se de um consentimento para obedecer a uma mestria ao se deixar ser hipnotizado. Foi então que Freud percebeu que a fala mudaria tudo.

Por meio da fala, Freud dá fim às sessões de hipnose e inaugura o plano da escuta. Dá-se início à psicanálise. Ele começou a fazer um tipo de escuta: o silêncio do médico. Segundo Numa, só Freud calou-se para ouvir o outro. A escuta era uma regressão no sentido de falar dos acontecimentos passados. E nós estamos encarnados de palavras, a linguagem é uma encarnação. Para Numa, ainda não chegamos a ponto de dizer o que queremos, falta dizer tudo sobre o real. A linguagem resignificava de alguma forma os vazios da realidade, estava na psicanálise a cura pela palavra?

As análises psicanalíticas já estavam incorporadas às grandes obras literárias como as de Shakespeare, Machado de Assis, Dostoievski. Numa aponta que, em toda obra de Freud, há uma citação literária, mas não para justificar suas análises. A literatura para ele era um aprendizado. A leitura também é uma escuta. O personagem Édipo se tornou uma questão para Freud: Por que havia tantos relacionamentos amorosos entre pais e filhos? O que há na história de Édipo Rei que ajude na busca por uma resposta? Freud descobre a fantasia. A fantasia na infância. E que a realidade que a psicanálise testemunha é a psíquica. Portanto, o que vale na psicanálise é a fantasia, o desejo. O desejo de matar é expresso, fazer é proibido e desejar não. Desejo e poder. Em seu livro, O mal estar da civilização, Freud aponta o conflito entre desejo e proibição, pois se renunciam às pulsões, aos desejos, em nome de uma ordem civilizatória. Se há proibição há desejo. E nesta forma de civilização os processos não foram abdicados, o hipnotismo acontece o tempo todo, os efeitos do imaginário permitem que o que é dito se torne parte do outro. Os sonhos começam a produzir esses sintomas.

Freud foi percebendo que o corpo é uma espécie de cartografia, uma encarnação de linguagem: sons, palavras, afetos, encarna-nos e nos faz humanos. E nossos sintomas se resignificaram na lógica do tempo, por exemplo, da histeria à insatisfação. Como da necessidade ao desejo. Assim como a cartografia da sexualidade vai se encarnando desde a fase infantil. Somos sujeitos formados pela linguagem, e o que está fora dela pertence ao plano do real. Criamos uma inscrição simbólica, a fantasia, a arte, porque a realidade é incompreensível, é sempre um novo mistério. E os sonhos, os lapsos, os esquecimentos, apontam isso. Até onde se sabe, não existe um lugar anatômico para o inconsciente. O inconsciente não é o que não é consciência, é outra coisa, é outro lugar… Assim como é feita a imagem de uma fotografia. Segundo Numa: “Não saber isso é lindo, pois é uma escapada, tudo já está tão controlado.”

Chegando à ideia de que o inconsciente não tem anatomia, Freud descobre que se tratava do efeito do discurso. O inconsciente tem “um dentro” e “um fora”, como uma tira de papel que se torce e depois se emendam as pontas e não se sabe mais o que está dentro e o que está fora. O sexo desprendeu-se da reprodução, há um amor de transferência, mas a convenção social recalca e causa sofrimento no processo de emolduramento civil. Os recalques são as proibições aos desejos e as pulsões de morte que estão dentro da construção do discurso social. E a pulsão de morte desenfreada na qual Numa se referiu ao Brasil: “Que pulsões de morte atuam neste país? Que falta de interdição a essa matança? Diz que Deus é brasileiro, que somos cordiais e bonzinhos?”. Segundo Numa, a fantasia é primordial para uma criança, para causar arte. Se a mídia não deixa nada para ela fantasiar, se tudo é dito, como fica a criatividade que necessita da falta. Esse é o perigo da saturação. O desejo só quer desejar. Contudo, Freud não buscou mais a anatomia do sonho, mas o efeito do discurso. O tempo não é cronológico, trata-se de uma lógica do tempo. E todas as figuras de linguagem estão nos sonhos.

 

Referências

Bibliografia de Sigmund Freud:

http://en.wikipedia.org/wiki/Sigmund_Freud_bibliography

Sobre o livro O alienista, de Machado de Assis. Encontre aqui toda a obra disponível:

http://machado.mec.gov.br/