Heróis da periferia: Da epopéia para o Hip Hop

Maio de 2011, Universidade das Quebradas, Flamengo. Apresentação do Território Epopéia e Hip Hop: Hip Hop, a epopéia da periferia.
Hoje quase 1 ano depois, me dei conta de que o mais importante ficou para o final: “o fato de o hiphop relatar trajetórias pessoais e coletivas, em que o sujeito da periferia é tão digno de ser personagem quanto um herói grego. Aliás na periferia o que não faltam são heróis.” Conceituei os termos epopéia, periferia e hiphop, para no final relacioná-los. Encerrei minha apresentação com a música O Homem na Estrada dos Racionais MC’s. Eis um breve resumo dos conceitos:

Epopéia: Relato de acontecimentos grandiosos da trajetória humana; personagens heróicos em processo de divinização; enredo de tempo longo; herói representa caráter coletivo e valores universais. Exemplos: Ilíada e Odisseia de Homero. Os Lusíadas de Luís de Camões. Estruturada em 5 elementos básicos: 1) Proposição ou exórdio = é a apresentação do tema e do herói; 2) Invocação = o poeta pede auxílio às musas inspiradoras; 3) Dedicatória ou ofertório ou oferecimento = o poeta dedica a obra a um protetor; 4) Narração = é o desenvolvimento do tema e das aventuras do herói, com a narração de fatos históricos; 5) Epílogo = é o remate, o encerramento do poema.
Fonte: http://www.micropic.com.br/paginadecliente/noronha/liter_g.htm

Periferia: Segundo a autora Simone Pallone: “No contexto brasileiro, a palavra periferia é algo típico do processo de metropolização dos anos 1960-70. O termo tem sido usado para designar loteamentos clandestinos, ou favelas localizadas em áreas mais centrais, onde vive uma população de baixa renda.”
Pallone, a respeito disso, cita Manoel Lemes da Silva, professor de planejamento urbano e regional, da Faculdade São Marcos, de São Paulo. Para ele, o termo periferia carrega consigo um sentido político, econômico e social que o subúrbio em princípio, não tem. “Não dá para pensar em periferia sem pensar em centro. É um par dialético que faz parte dos fundamentos da teoria do desenvolvimento econômico”, diz a professora.
Segundo Pallone: “Nas cidades, o conceito se aplica ao espaço onde está o centro econômico de poder. Do lado oposto, estaria a periferia. Silva afirma que o conceito surgiu na tentativa de tornar toleráveis a manutenção de cidades ao Estado. Mas o que se tem na verdade, é uma perpetuação das desigualdades sociais e econômicas.”
Mais informações em Diferenciando subúrbio e periferia, de Simone Pallone.

Hip Hop: Movimento cultural da periferia. É a voz da periferia, crônica e informações sobre a periferia em forma de música. Formado por: música(rap), grafite, break(dança)e DJ.

Relações
• Epopeia e periferia: histórias de vida de sujeitos da periferia.
• Periferia e hiphop: hip hop como uma expressão própria da periferia.

• Epopeia e Hip Hop: relato de trajetórias pessoais e coletivas, em que o sujeito da periferia é tão digno de ser personagem quanto um herói grego. Alias na periferia o que não faltam são heróis.

Março de 2012, Ramos, Subúrbio do Rio. Após a experiência da UQ, do Pólo Avançado da UQ na Biblioteca Parque de Manguinhos; e das minhas andanças “Nos Trilhos da Cultura”, coluna que assino na Revista Internética, João do Rio, há 2 anos; me dei conta de que a relação entre epopéia e hip hop, que fechou a apresentação, deveria tê-la aberto. Por ser o mais importante. Porque?

Por que a frase: “as trajetórias pessoais e coletivas, em que o sujeito da periferia é tão digno de ser personagem quanto um herói grego. Alias na periferia o que não faltam são heróis.” É mais significativa que parece.

O que dizer de …
…alguém que faz pão e doa a quem não pode pagar recebendo latas como pagamento e com a venda delas compra farinha para fazer mais pão?
…alguém que carregou a mudança nas costas, deixando móveis para trás, por ter sido removida da sua casa, sem previsão de receber o aluguel social. Sem contar o fato de os filhos terem ficado sem Natal?
Detalhe: sabendo que se não desse certo não teria como voltar à antiga casa porque haveria outra família lá na mesma condição que a sua ou pior! Não sei se essa pessoa passou por isso, mas o relevante é a postura de se colocar no lugar do outro. Seria plausível voltar e para isso colocar outra família a esmo?
…idosos que moraram a vida inteira no local e de repente são apenas informados da mudança, sem perspectiva de manter laços e afetos?

Solidariedade e força moral não são privilégios heroicos. Fazem parte de todos nós. Principalmente do sujeito da periferia – em especial do morador de favela- porque ele aprende que cada dia da sua história é uma luta, e é preciso lutar para conseguir o que se quer e se não formos heróis sinceramente eu não sei quem é! Histórias heróicas reais de vida, vívidas e vividas por pessoas comuns, moradoras de favelas. Quem sabe eu, e todos aqueles, que tem a chance de ter contato com esses heróis, estamos aprendendo a ser verdadeiramente seres humanos?

Esse é o breve relato de uma quebradeira, que teve na Universidade das Quebradas, mais do que a oportunidade de ter um conhecimento acadêmico, sem ela não seria possível conhecer a historia da arte, por exemplo. Mas que desconstruiu o seu olhar para a arte. Estou no processo de parar de querer analisar elementos e desmembrar, pois a arte é de quem sente e não de quem pensa. Desmembrar é para poucos, sentir é para todos.
Ao mesmo tempo, construí um olhar muito mais profundo sobre a periferia e a sua diversidade, embora já soubesse de algumas coisas, vi que a grande diferença da periferia é a unidade na diversidade, porque sempre estamos juntos e misturados. Não importa, nível de escolaridade, cor, religião ou qualquer outro critério que não seja o de ser periférico. A periferia é o nosso centro. O centro de quem somos e para onde vamos, por que nas nossas andanças sempre a levamos conosco.

Por Joana D’arc Liberato
Ilustração: Raoni Pontes