Paul Heritage começou sua aula perguntando logo de cara: Poderia Shakespeare ser nosso contemporâneo? Um autor brasileiro e não um escritor de Londres? Será que ele faz parte da imaginação mundial ou é fruto do colonialismo inglês?
Cada quebradeiro precisou responder a essas perguntas em voz alta e contar suar história particular com o autor inglês. Constatamos então, ouvindo uns as histórias dos outros, o quanto todos temos conhecimento deste autor que, de alguma maneira, passou pelas vidas de todos os quebradeiros e nos marcou de forma única.
Algumas das suas histórias eram compostas (ou eram o registro) de contos populares já conhecidos, às vezes quase uma releitura. As nossas histórias, as coisas que nos acontecem, nossos momentos mais poéticos, são sempre uma releitura de situações que já se repetiram milhares de vezes.
E essa é a palavra chave para descrever Shakespeare, este ladrão de histórias. Sua própria assinatura mudava o tempo todo, era raro ele publicar suas peças. Para muitas pessoas, o autor inglês foi a primeira experiência de poesia ou de teatro. Shakespeare tem tudo a ver com o popular e para encontrar essa conexão, ouvimos histórias de gente que encontrou suas histórias adaptadas no contexto do funk, das festas juninas. O grupo Galpão é mais próximo de Shakespeare que o Royal Theatre.
Precisamos de Shakespeare porque existem mil coisas que não conseguimos falar, e ele coloca aquele sentimento em muitas palavras. O próprio momento histórico em que ele viveu favorecia isso: Naquele momento a língua inglesa estava sendo formada e o teatro com formas próprias como construção não existia ainda na Inglaterra.
Em 1598, Shakespeare desmontou seu Teatro e o reconstruiu em local fora do eixo, fora do controle oficial do rei da cidade. Para apreciá- lo, temos que entender sua instabilidade, que ele está fora das convenções. Ele reconstruiu seu teatro onde estavam os bordéis, pubs, arenas para rinha de animais. Sangue, morte e enforcamentos eram o tipo de entretenimento que competia com as peças apresentadas em seu teatro.
Além disso, na mesma região os loucos viviam fora dos manicômios e não haviam prisões. As pessoas vinham se divertir nesse contexto caótico e o The Globe ali cobrava ingresso para as apresentações teatrais. Mesmo assim, ele tinha lotação completa nos três dias da semana em que haviam apresentações.
Teatro é o lugar de onde a gente se olha, o ato de olhar está na base de Shakespeare. Nesse mesmo período, a perspectiva está sendo criada e o teatro torna-se o lugar onde nós ensaiamos a falsidade para encontrar a verdade. O ato de olhar penetra no corpo do homem que é a coisa mais impenetrável , o ato do olhar é quase um ato erótico.
A divisão entre a realidade e o falso é tênue. As visões são múltiplas, no The Globe existem 20 pontos de vista diferentes, nada é fixo. No seu teatro o palco está bem próximo do público e o público está se vendo. A fascinação eterna que Shakespeare provoca, vem do fato de que nos seus textos também nada é estável, nem o bem, nem o mal. No seu texto, as palavras, detém o poder. Podem existir várias leituras e isso dá poder também para o público: essa capacidade de poder de visualizar, imaginar.
Shakespeare usa o que mais tarde foi chamado de ‘pentâmetro iâmbico’ para criar a pausa internar, o pulso da incerteza, da interrogação, da reflexão, da relatividade. Seu exemplo mais famoso, é o ‘To be or not to be \ That is the question’. Nesses dois versos ele alterna sílabas tônicas gerando a incerteza de quem pergunta.
Seu teatro é intelectual, crítico, não sentimental, desestabilizador, instável, cheio de dúvidas, interrogações, do outro mundo, não resolve nada. O palco é nu, vazio. E seu texto, é um namoro de antíteses: realidade e invenção/ arte e natureza.
Rute Casoy e Bárbara Reis