Era uma mulher coberta de folhas, por Rute Casoy

Era uma mulher coberta de folhas
A cabeça oca tanto que da vida nada sabia.
Era adormecida.
Até que violentada pelos tempos, uma dor aguda irrompeu na consciência.
Tempos Modernos atearam o fogo inicial e cravaram uma navalha afiada,
cunhando história onde só havia um útero verde perfumado ainda ignorante.
A dor cortou o ar.
Um grito tão fundo que nem o gigante do jardim do Nego soube dar fôlego.
Uma exuberância violenta tomou conta daquele corpo antes feito só de barro.
Para atar a sangria foi necessário ficar de pé.
Num sacudimento inimaginável.
Houve amadurecimento.
Foi muito, muito sofrido.
A pele caiu velha.
Ressequida.
Um pau de chuva celestial apareceu por ali chamando a atenção
na intenção de cura.
Baixou uma dança forte.
Lágrimas.
Um ritmo intenso, inusitado deu cor ao lugar.
Tinha desejo,
mas o trauma era tanto, tanto que nada garantia.
Nenhuma certeza.
O restauro se fez de rogado.
Toda água que veio não foi capaz de reparar o erro que latejava
desencapado.
Depois da gestação de um século e muitos riscos, o fruto nasceu desamparado.
O olho era arregalado de fome.
Eu sou a mulher que perdeu as folhas, mas atendendo o chamado da cria, renasceu por si mesma.
Um mistério brotou com insistência aqui por dentro.
As vísceras desafiadas apertavam os dias e os partos das noites.
Porém erguida como uma égua valente, apesar da solitária,
respondi que sim.
Não.
Meus filhos não seriam devedores, nem degradados, nem devastados.
Com esta suposição como norte.
Tirei mel da alma e fiz milagre. Borboletas.
Não foi impossível.

por Rute Casoy