O cordel da formatura

Meu coração é pequeno
Como lembraram os poetas
Pois nele não cabem as asas,
Nem as penas, nem as setas,
Nem sequer as alegrias
Ou as culpas mais secretas.

Por isso a sua represa
De paredes tão instáveis
Tem as fundações tremidas
Onde as águas tormentáveis
Esmurram meu peito flácido
Em agressões lamentáveis.

Diante de tantas dores
Ferindo meu coração
Preciso compartilhar
Cada pedaço de pão,
Cada pedra e cadafalso,
Cada laço e aflição.

Preciso abraçar aqueles
Cujas almas semelhantes
São sementes na procela,
São estrelas nos berrantes
Cenários de luta armada
Mesmo em vozes dissonantes.

Se as celas não mais contemplam
O grito das multidões
A rua é o berço vivo
Para instaurar arrastões
De dignidade aflita
Repleta de arranhões.

Compartilho com vocês
Habitantes das quebradas:
Meu teto subtraído,
Minhas portas metralhadas,
Minha comida tão pouca,
Minhas roupas tão minguadas.

Compartilho a superfície
Acidentada do morro,
A criança assassinada,
A mãe pedindo socorro,
O esgoto lavando o chão
E o rato roendo o forro.

Partilho todas as balas
Vendidas nos coletivos,
Partilho a linha do trem
Seus trilhos e grilhões vivos,
O atraso dos relógios,
Todos os cravos e crivos.

Mas também partilho as flores,
Adornando nossa esfera.
As flores que já transformam
O inverno em primavera.
As flores cuspindo aromas
No rosto da besta-fera.

As flores que necessitam
De cultivo matinal
De água tratada e boa
De luz, de adubo e sal
De condições necessárias
Para uma vida normal.

Além das flores, os frutos
Saudáveis pelo pomar
Os frutos que, bons aos olhos,
Melhores ao paladar.
O fruto cuja semente
Promete perpetuar.

Os frutos que, do caderno,
Do tablet, do notebook,
Entram pela internet,
Enredam-se no Facebook,
Networkizando as vidas,
Com lingerie e new look.

São esses frutos gestados
Sob suspense e pressão,
Até sob os maus augúrios,
Sob escárnios, suspeição.
E eles com o epicarpo
Sorrindo na nossa mão.

Aqui, neste território,
A primavera se excita.
A flor já prepara o fruto,
A alma sensível grita,
O coração lança afagos
E a lança no ar se agita.

E o paraninfo, coitado,
Menor entre os mais pequenos
Guarda seus poucos perfumes,
Retém seus muitos venenos,
Abraça, polvo que é,
Os quebradeiros serenos.

Há uma poética em falta
Neste mundo de espetáculos
É a do agradecimento
Que já não tem mais tentáculos
Tampouco lugar à mesa
Dos incontáveis cenáculos.

Quero aqui reeditá-la
Agradecendo às Quebradas
Por deixar as minhas horas
Pouco mais equilibradas.
Meu coração é pequeno,
Mas nele há muitas moradas!

 

Aderaldo Luciano
Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ
Rio de Janeiro, 25 de junho de 2013

Ilustração: Beá Meira