A construção narrativa é direcionada ou estipulada por alguém que em algum momento percebeu nuances métricas e diferenciais que o jogo das palavras pode proporcionar. Uma dessas narrativas elaborada e construída que traz e cria uma atmosfera peculiar e interessante, quem elaborou, foi Aristóteles.
No livro Poética, Aristóteles diz que a poesia é imitação, nesse discurso pronunciado e escrito, o leitor é conduzido a uma perspectiva da qual “a arte imita a vida”, traz um novo entendimento para a poesia, conduzindo-o a caminhos ainda não tão bem-entendidos ou examinados na expressão e força dimensional da palavra.
O objeto de interesse são as ações do homem perante a vida, estipulados por “vícios e virtudes”. Denominando sua índole na condução narrativa poética intencional do poeta.
Usando de métrica, linguagem de prosa e verso, ritmo, canto na construção de uma poética imitativa.
Antes a palavra tinha o sentido lato, concreto, dimensional, usual e prático. Com a literatura poética, a palavra é possuída por “sentimento”, “vontade” e expressões inimagináveis, não tem mais a mesma dimensão a palavra ou o verso, ou seja, o sentido que antes era esperado, agora surpreende com encanto, destemor, amor, paixão, possui vida virtuosa.
A palavra não se basta em si, é mais, engrandece, não tem medida, não se espera, surpreende.
Construindo assim, um olhar mais criterioso de si e de suas ações, o artista poeta descreve de maneira primorosa a visão narrativa que inspira a todos até a contemporaneidade.
Mostra formas na construção de uma narrativa artística poética que fala de caracteres encontrados na expressão humana, como na comédia e na tragédia, revelando o escaninho da alma, com suas fragilidades, magnitudes e virtudes, estipulando identificação para o leitor de maneira a apreender o conteúdo exposto.
Compreende-se a narrativa como um veículo utilizado desde os primórdios, expressivo, que passa uma mensagem, um código que caracteriza como cada povo e sociedade entendem e filosofam sobre as questões peculiares de sua etnia. Tendo o mito uma importância nas narrativas de veículo oral que faz perdurar a história cultural de um povo.
A origem da palavra mito tem o sentido de: “a palavra falada, cantada ou oralizada”. No sentido mais prático, são as histórias cantadas e ditas de cunho moral, faladas pelos mais velhos do núcleo familiar. Entretanto, na atualidade, esse hábito está se perdendo, mas em algumas regiões do planeta, como na África, permanece muito forte essa tradição.
O culto aos orixás por todo continente africano vem sendo passado por histórias que enfatizam o modo único e peculiar de entender o mundo, criando sua própria cosmogonia, vivenciando o religare, suprindo respostas ao qual o mundo eurocêntrico ainda não entende ou “não quer entender”.
Na atualidade, a palavra mito tem outro sentido, é uma representação fantasiosa para explicar fenômenos da natureza. A questão seguinte tem pretensão de não trazer respostas, mas instigar a reflexão.
Percebem-se em muitos discursos que os orixás são mitos de deidades, e que se equiparam com os deuses da mitologia grega, que deixaram de ser cultuados como fonte religiosa há muito tempo. A comparação tem alguns aspectos os quais muitos não percebem que é o perigo do sentido das palavras e a força que elas possuem.
No contexto católico, a expressão, o mito dos santos, ou a mitologia dos santos, não é apregoada, pois o sentido de mito hoje é uma expressão fantasiosa, já a fé é vivida, assim como é vivida nos templos de culto aos orixás.
Alguns podem falar que os orixás são expressões que reverenciam a força da natureza ou que também trazem características dos sentimentos humanos, fazendo uma ligação simbólica psicanalítica ou psicológica, mas esquecem de que assim como outras grandes religiões, o culto aos orixás é vivido, experimentado, sentido e entendido por quem tem como religião a matriz africana.
Interessante fazer a ligação entre os milhares de cultos diferentes de nosso planeta; faz com que a igualdade entre as doutrinas aproxime grupos, enriquecendo a ambos na construção do respeito ao multiculturalismo. Mas o cuidado em entender que para milhares de pessoas os orixás são o caminho mais profundo e tocante de religar-se a uma atmosfera extracorpórea, assim como os católicos fazem com os santos e os protestantes fazem com Jesus, é fundamental. São memórias revividas, cultuadas após gerações que ainda fazem com que o ser humano reflita e se comunique com uma parte ainda não muito bem-entendida pela ciência, somente sentida e experimentada por quem a vive.
Pois, através da interlocução entre as histórias, o homem cria e renova novos conceitos sobre o cotidiano, deixando de ser um pouco só ele, para acrescentar a interpretação sobre a vida que o outro tem, somando novas ideias e recriando conceitos com a interação das múltiplas narrativas, sejam elas de cunho religioso, artístico, técnico ou qual for.
A atenção para uma narrativa de cunho artístico que na atualidade tem em seu cerne a liberdade de expressão traz à tona sentimentos ainda não tão bem-entendidos, ou talvez guardados, por serem muitas vezes contundentes para o espírito humano.
Com isso, induz o homem a ter consciência de sua criação, é um cocriador, tem expectativas que só deverão ser sanadas quando a ideia poética estiver nascida, expurgada no papel.
A criação fica na espera ou ânsia de um novo filho, que o criador ainda não conhece sua forma nem muito bem seus sentimentos, está ainda tudo contido na expectativa, logo após a concepção, isto é, a escrita procura-se entendê-la, senti-la, para assim, então, dividir com todos, mostrar aos outros o filho concebido, para que eles sintam a sua magnitude, virtuosidade e expressão.
Caracteriza os meios e os modos, entretanto a dimensão do sentimento fica a critério do leitor, com um diálogo incessante e contínuo entre a poesia e o poeta.
Na atualidade há uma quebra de ruptura, o que antes era direção agora é contramão; com isso o homem busca novas formas e cria conceitos novos para lidar com o cotidiano de maneira a deixá-lo mais encantador, com as diferentes narrativas que o conduzem a novas experiências para entender toda a dinâmica que possui o mundo —que sejam elas virtuosas e que acrescentem mais harmonia e um pouco menos de dissonância preconceituosa entre as múltiplas maneiras de expressão.