O projeto Kabula Rio que promove rodas de capoeira em espaços públicos na Zona Portuária, do qual o quebradeiro Carlo Alexandre faz parte foi um dos 34 ganhadores do prêmio Porto Maravilha Cultural.
Muito feliz com o prêmio conquistado, Carlo respondeu uma entrevista pro site:
UQ- Carlo você pode explicar no que consiste o projeto O Porto Importa: Memórias do Cais do Valongo, que ganhou o premio Porto Maravilha Cultural?
Resumidamente, o projeto consiste na realização de 6 ações que têm por objetivo preservar a memória; promover a divulgação e valorização do patrimônio cultural imaterial das culturas de matriz africana, que têm o seu berço histórico na Região Portuária do Rio de Janeiro, em especial o Patrimônio Cultural Imaterial Capoeira Angola. Vamos realizar: Rodas de Capoeira na Rua; Roda dos Saberes (Palestras); Roda dos Fazeres (Oficinas); o Livro Memórias do Cais do Valongo; vídeo; e uma exposição Fotográfica. Este é o resumo, mas acredito que seja necessário estender os detalhes.
O nome do projeto foi escolhido pois propositalmente trás diferentes significados.
O Porto Importa pelas culturas e histórias que foram literalmente importadas e em seguida transformadas ao chegar ao Brasil. O Porto também importa por ter significado e valor. Local de memórias e histórias de muitas vidas que tiveram o Cais do Valongo como cenário de entrada. Histórias que influenciam a forma de ser individual e a dinâmica social e política, mesmo para aquelas pessoas que, a priori, não se identificam com termos como: escravização e afrodescendentes. Importa ainda como atual local de silencioso contraste. A reurbanização trás destaque e faz com que muitos olhos vejam o Porto e suas novas potencialidades. Por outro lado, as antigas realidades estão sendo cimentadas, restando apenas símbolos como os escombros descobertos do Cais do Valongo e o Instituto dos Pretos Novos. O local das Rodas de Rua do grupo Kabula, (e dos parceiros da Conexão Carioca de Roda nas Ruas) não foi escolhido aleatoriamente, é um símbolo de demarcação de território e construção da memória social. Então este projeto fala de tudo isto!
É importante destacar a importância de um grupo de Capoeira Angola ser selecionado e ganhar este edital em especial. Pois, se de um lado a reurbanização do Porto Novo é vista como uma ação que remove, esconde e maquia o Porto Antigo marcado pela escravização humana, de outro, é uma oportunidade de reparação e de salvaguarda desta memória. Acrescento que ver a capoeira Angola ser selecionada em editais é raro e está causando o despertar de que é possível e é preciso. Assim, este prêmio é uma iniciativa pontual, mas é simbólica. É preciso pensar no apoio continuo aos grupos de cultura popular, tradicional.
Observe que o projeto consiste na consolidação de um programa, que surgiu em 2012, que pretendia promover uma Roda de Capoeira em local de relevância histórica e pensar na formação de um público. Neste sentido nasce a Roda dos Saberes, na qual chamávamos palestrantes para conversar com os alunos e a comunidade da capoeira. A partir dos registros em vídeo de Begué e das fotografias de Maria Buzanovsky o programa foi ganhando visibilidade. A partir do conteúdo que produzimos nos encontros das Rodas dos Saberes pensamos em desdobrar esse programa e apresentamos o projeto Porto Importa e fomos premiados na ação do Porto Maravilha e com este prêmio vamos dar sequência às ações que já estamos promovendo na Zona Portuária do Rio de Janeiro.
UQ- Como você acha que a UQ, o coletivo, os colegas podem colaborar no sucesso da implementação do projeto?
Entendo que conceitos como respeito à diversidade, integração e comunidade são princípios da capoeira. E é assim que queremos que ocorra a execução do projeto. Muitas ações de colaboração mútua podem e esperamos que aconteça. E pode ser em diferentes níveis de profundidade. Por exemplo:
Os produtos do projeto, já são fato, irão ser concebidos, mas perderão valor se o público a quem se destina (ex: estudantes universitários) não tiver acesso ou conhecimento do mesmo. Então hoje, uma das nossas prioridades é desenvolver ações de mobilização de público. Uma possibilidade é que a visita às nossas Rodas conte como horas complementares que o MEC exige em cursos universitários. Queremos oferecer aos que vierem este certificado e gostaríamos de sugerir a criação de atividades de curso no início do semestre a partir de nossos eventos. Isso é colaboração mútua.
É possível pensar em uma parceria mais profunda. Por exemplo, ainda são poucas as pesquisas sobre capoeira e sabemos que imagem da capoeira mudou muito no decorrer dos anos: de prática criminalizada, a Roda e seus mestres agora são Patrimônio Cultural Imaterial. Mas não se sabe como isto aparece no imaginário da população. Então outra sugestão de colaboração poderia ser o desenvolvimento pela UQ e/ou quebradeiros de uma pesquisa sobre a imagem da capoeira, a partir de um projeto preliminar que temos com a possibilidade (que precisaria ser discutida com editor e curador e busca de recursos) da inclusão dos resultados no nosso livro, tendo a UQ e alunos na ficha técnica como realizadores. Outras possibilidades podem vir de nossas conversas futuras.
UQ – Você já tinha pensado neste projeto antes de frequentar a UQ?
Sim, em outros editais. Neste porém, algumas ideias e a elaboração foram feitas concomitantemente com as quebradas. Frequentar as quebradas, sem dúvida, me deu mais razões e entusiasmo, direta e indiretamente, para continuar na luta dos editais.
Carlo Alexandre aproveita para convidar todos os quebradeiros para a exposição Memórias do Valongo: Capoeira, Identidade e Diversidade que acontece no dia 31 de janeiro, sexta feira na quadra da Portela.
Carlo Alexandre é quebradeiro da 4ª edição da UQ
Foto Maria Buzanovsky