A primeira aula da Universidade das Quebradas trouxe muitas inquietações e ressignificações aos quebradeiros. A professora Martha Alkimin tratou sobre a questão da imaginação, que produz literatura e através de rastos constrói a história, usando como exemplo os escritos poéticos de Homero.
Homero foi um poeta épico, que viveu na Grécia Antiga. Sua origem é controversa e muito discutida entre historiadores. Acredita-se que tenha vivido por volta do século IX ou VIII a.C, e a ele é atribuída a autoria das epopeias Ilíada e Odisseia — trabalhadas nesta aula —, que são marcadas pela singular estrutura poética e plasticidade, uma das fontes de criação do teatro grego que se desenvolveu no século V a.C.
A professora falou que a literatura é uma herança frágil, e que através dela o autor pode compartilhar a alegria estética da criação. Finalizou a introdução dizendo que esse tempo, em que os gregos escreveram tais textos, é tão antigo que quase não é possível imaginá-lo. Comentando o documentário do cineasta alemão Werner Herzog, A caverna dos sonhos perdidos, salientou que o homem faz arte, pois se sabe incompleto. Fabular é tornar existente. Cada gesto, cada traço acrescenta ao mundo o que não existia.
A Ilíada e a Odisseia são um marco da história grega por assinalarem o início de uma literatura escrita em oposição à literatura oral. Essas epopeias narram a história do povo grego através de grandes heróis. Martha afirmou que a Odisseia pode ser relacionada ao mar, à água e à paz, enquanto a Ilíada pode ser relacionada ao fogo e à guerra.
Sobre a Ilíada, poema que se passa no nono ano da guerra de Troia, a professora destacou o trecho sobre a fúria de Aquiles, após a morte de seu amado Pátroclo, e a catarse presente momentos antes da morte de Heitor, que culmina na derrota troiana. Martha nos contou o episódio do Cadáver insepulto, quando o rei troiano, Príamo, se despoja de sua posição real para suplicar a Aquiles o cadáver de seu filho, que havia sido vilipendiado.
Já na Odisseia, continuação de Ilíada, que trata da volta do patriarcado, o trecho destacado pela professora fala sobre a chegada de Odisseu (chamado Ulisses na versão romana) a sua casa, após a longa viagem imposta por Poseidon. O herói disfarçado de mendigo é reconhecido pela ama que o criou, durante o ritual de lava pés, pois Odisseu quando jovem, convidado por seu avô para uma caçada, teve seu calcanhar mordido por um javali, o que lhe causou uma cicatriz. Martha nos falou sobre este ato de reconhecimento que simboliza também a função do Aedo, o narrador de histórias.
É pela conexão entre esses dois poemas que Martha Alkimin nos levou a refletir sobre o povo de Troia, massacrado, e sobre a volta triunfal de Odisseu, trazendo consigo o passado glorioso e as dores que constituíram o seu ser. É por meio deste viajante que identificamos o esforço de Homero em recuperar a sua sociedade e o passado de seu povo através da escrita.
E assim como Homero na Grécia Antiga, outros “homeros” como Pepetela, Camões e Miguel de Cervantes, através da literatura, foram responsáveis pela construção de histórias que chegaram até nós por meio de fragmentos não consumidos pelo tempo.
E como a literatura se constitui hoje a partir de um mundo cada vez mais digital? Será que corremos o risco de perder a narração? Apesar de nosso cotidiano ser cada vez mais on-line, ágil e que exige especificações diferentes de gerações passadas no que se refere à escrita, à comunicação e ao conhecimento, cada um de nós pode se tornar um viajante conduzido pelos rastros que constituem a história, construindo novos rastros. Como disse Martha no início da aula, “só os viajantes são inteiramente humanos” e apenas nós como pessoas determinadas a lutar contra o esquecimento podemos nos dispor a embarcar nesta viagem e a plantar sementes de memória, assim como fez Homero.
Priscila Medeiros – Bolsista PIBEX PACC\UFRJ
Fotos: Toinho Castro