Falador, artista, educador. Mas nada define melhor Lucas Leal do que quebradeiro por natureza. O aluno de mestrado em Educação da Unirio escolheu a Universidade das Quebradas como tema de sua dissertação. O pernambucano encontrou nas Quebradas uma proposta diferente e inovadora; exatamente o tipo de projeto que procurava para sua pesquisa. Lucas conta nesta entrevista um pouco da sua experiência.
1. Como conheceu o projeto da Universidade das Quebradas?
Lembro muito bem desse dia, pois foi meu primeiro encontro com o professor Diógenes Pinheiro. Eu acabara de mudar a linha de pesquisa e consequentemente de orientador, saindo de práticas pedagógicas e indo para políticas públicas em Educação. Estava no começo do segundo período do mestrado (agosto de 2011) e o professor sabia do meu interesse em arte, especificamente o cinema, e em compreender aspectos de comunidades populares no Rio de Janeiro. Mas era preciso um campo prático para seguir nas pesquisas, que até então eram somente de caráter teórico. Então o professor Diógenes comentou sobre a UQ. No mesmo dia procurei saber, e encontrei o site.
Quando li a proposta, mandei um e-mail imediatamente para ele: “era esse projeto que eu queria, posso começar a pesquisa?” Daquele momento até a minha “chegança na UQ” foram menos de três meses, preparando as questões que iria trabalhar ao chegar lá, e, claro, buscando autorização das coordenadoras.
O primeiro contato foi com a Professora Heloisa, que aprovou a ideia logo de início. Entretanto, ela explicou que iria viajar e me passou o contato da professora Numa Ciro, que também me atendeu superbem. Portanto, o primeiro contato foi virtual mesmo, e por isso eu adoro quando vocês atualizam o site. No ano passado ele deu uma “melhorada”, e esse ano está muito bom. Sempre entro para saber o que está “quebrando por aí”.
2. Qual a importância da metodologia do “círculo de cultura”?
Olha, quando eu conheci os círculos de cultura, era um jovem iniciando os estudos, tinha apenas 19 anos, e estava no quinto período do curso de História, lá em Pernambuco. Eu gostei muito da proposta, pois quando resolvi ser professor, “eu queria ser um professor que nunca tive”. Não sei, mas a grande maioria das escolas, com suas burocracias, termina “tansformando os educandos em vasilhas”, “depositando conteúdos” dissociados das realidades.
Em sala de aula o “aluno falante” é um “aluno problema”. Aquele que questiona, que não aceita, às vezes é tido como um aluno indesejável. Em alguns momentos me senti assim, indesejado pelos meus professores, pois não queria ficar ali horas sentado, sem questionar os conteúdos que eram “depositados” e que eu tinha que “decorar” sem saber a função daquele conhecimento para minha vida social.
Claro que, quando eu era mais jovem, não compreendia esse meu discurso atual, simplesmente ficava muito chateado quando um professor não me “dava voz” em sala. Então, quando “conheci” Paulo Freire e li Educação como prática da liberdade, pensei: “é disso que eu gosto”.
Paa mim, os “círculos de cultura” é isso: um grupo no qual todos falam e todos se escutam. Não é preciso um conteúdo “fechado” nem que todos concordem, mas sim estar aberto a aprender. Eu vejo dessa maneira simples, e hoje a sociedade da informação já está apreendendo isso, o educador é apenas um facilitador, um condutor das ideias, mas ele não é aquele que sabe mais do que os outros.
3. Por que resolveu estudar o projeto?
Resolvi estudar o projeto quando li a proposta. Quando saí de Olinda – PE para vir ao Rio de Janeiro, eu tinha na cabeça o filme Cidade de Deus, que vi aos 17 anos, e até então ainda estava na dúvida entre estudar História ou Educação Física.O filme “mexeu” tanto comigo, que eu queria saber como era favela no Rio de Janeiro, pois a mídia falava o tempo todo das favelas cariocas e do perigo que era viver nestes lugares.
Quando vim para cá, morei em algumas, Riachuelo (Zona Norte); Vila Kennedy (Bangu), na periferia de Piedade (Zona Norte), e finalmente, na que fiquei mais tempo, Parque da Cidade (Zona Sul). Minha família se assustou, mas eu falei: “que tipo de historiador sou eu que não conhece as realidades sociais? Sou daquele que fica lendo, lendo, mas não vou viver?”
De fato eu quis estudar o projeto, pois ele coloca os sujeitos de favelas no mesmo patamar dos acadêmicos, e lá todos podem falar, há esse espaço de caráter dialógico. Além do que, após ter vivido em favela, e ter passado e ainda passar tantas dificuldades no Rio de Janeiro, costumo dizer para os meus amigos “que eu sou de favela”. Mas falo isso no melhor sentido da coisa, pois foi o local onde fui mais bem-aceito; “na pista carioca” sofri alguns preconceitos por ser “nordestino” — embora muita gente diga que não existe mais isso, eu afirmo que sofri na pele…
Então foi por isso que eu quis estudar a UQ. Lá não importa se eu sou nordestino, se sou de favela, se sou “da pista”, se faço mestrado ou doutorado, tenho que saber o momento de falar e o momento de ouvir. E ainda digo mais, lá só importa quem é o Lucas Leal, um sujeito como tantos outros, mais um quebradeiro.
4. Seus orientadores já estavam familiarizados com o projeto?
Até onde eu sei, o professor Diógenes Pinheiro conhecia a UQ porque conhece alguns coordenadores, e o pessoal da Maré. Ele sabia um pouco da proposta, e falou: “é a sua cara Lucas”. Dito e feito, eu adoro ser um quebradeiro, pois enfrentei muita coisa para estar aqui. Mas acho que ele não conhecia muito, até por isso se interessou pela minha pesquisa, pois ele é o atual Pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), e a UQ compreende as principais questões teórico-metodológicas que ele pesquisa, tanto sobre Políticas Públicas, Extensão Universitária quanto sobre aspectos da educação popular.
5. Quais os principais pensadores que está utilizando?
Essa foi a pergunta mais difícil do ano, pois acho que todos os artigos, livros, professores, tudo serviu para ajudar. Abaixo, os principais:
Eduardo C. B. BITTAR; Guilherme Assis de ALMEIDA; Pierre BOURDIEU; Michel de CERTEAU; Paulo FREIRE; Heloísa Buarque de HOLLANDA; Yuri LOTMAN; Victor. A. De MELO; Edgar MORIN; Álvaro Vieira PINTO; M. G. RUA; Marília Pontes SPOSITO; Paulo César Rodrigues CARRANO; George YÚDICE; Carlos Roberto Jamil CURY; Boaventura de Sousa SANTOS; Dermeval SAVIANI; Jailson de Souza e SILVA.
6. Como foi feita sua pesquisa?
a) Primeira fase
A ideia era fazer entrevista em grupo entre cinco e dez quebradeiros (conversei com sete no primeiro dia e fiz entrevista filmada com oito).
Em paralelo, fiz entrevistas individuais com os educandos da Universidade das Quebradas.
b) Segunda fase
Acompanhar algum projeto individual de um dos quebradeiros. Acompanhei o “Cine de Buteco”, que só foi possível conhecer após a entrevista com o grupo focal.
c) A pesquisa
A dissertação partiu de concepções bibliográficas históricas do “círculo de cultura” até a animação cultural. Esse resgate teórico toma como base a proposição de dar voz aos que se interessam pela proposta. As entrevistas individuais tiveram a finalidade de dar voz aos educandos e aos educadores responsáveis pelo projeto de extensão estudado como exemplo para compreensão da cultura no campo da educação.
A proposta de formar grupo focal (conversa em grupo), com interesse nos temas cinema, cultura, sociedade, política, arte, e suas variantes, enriqueceu as buscas teórico-metodológicas, como também as concepções institucionais que envolviam as questões. A partir das primeiras investigações teóricas selecionei em forma de palavras os temas centrais da pesquisa. Ver abaixo:
- Cultura
- Política
- Universidade
- Comunidades Populares
- Ideia de Cinema
- Sociedade
Depois de desenhar essas questões como o campo acadêmico central da pesquisa, fiz um pequeno mapa com as palavras e umas setas apontando para as relações entre elas, e tentei colocá-las em ordem a partir da quantidade de setas. Elas foram, de certa forma, as principais questões em debate no meu projeto de dissertação a partir do trabalho como mestrando.
7. Em linhas gerais, quais as conclusões do seu trabalho?
Os principais resultados encontrados na pesquisa articulam com os eixos centrais da própria extensão universitária, portanto, achei coerente apresentá-los como conclusão do trabalho acadêmico. São eles: Impacto e transformação; Interação dialógica; Interdisciplinaridade e o princípio de indissociabilidade entre ensino/pesquisa/extensão.
Entre os pontos, acho que só preciso esclarecer mais o Impacto e transformação, que é quando há o estabelecimento da relação entre a Universidade e a Sociedade Civil, que visa atuar na transformação de realidades da população a partir dos projetos educativos.
Destaco ainda que, no quarto e último capítulo, resolvi tratar especificamente do Cine de Buteco, mas, de acordo com os dados recolhidos, não achei possível separar essa experiência de gestão cultural protagonizada por jovens de comunidades populares da vivência de duas proponentes no projeto de extensão universitária UQ. Para justificar essa não separação, que, no entanto, não significa falta de autonomia e presença de hierarquia nos projetos, resgatei os caminhos percorridos na pesquisa de mestrado até a chegada ao Cine de Buteco.
Concluiu-se, nesse sentido, que essa “não separação” tem relação com a própria proposta da UQ em formar uma rede de “animadores culturais” de favelas tanto no Estado do Rio de Janeiro, aonde atua e oferece formação acadêmica de um ano, como para além, divulgando e convidando parceiros nos meios de comunicação de forma interativa, principalmente na internet através de seu endereço eletrônico.
8. Como você pretende continuar esta pesquisa?
Olha, depois de perceber o número crescente de projetos e/ou programas na extensão universitária que se apropriam das “novas tecnologias” como mecanismos pedagógicos, penso em fazer doutorado, começando por um mapeamento nacional dessas propostas.
A ideia, no entanto, é tratar da Educação em Direitos Humanos, que foi um tema que surgiu na minha vida depois de ir à UQ. A professora Vera Candau da PUC-RJ tem pesquisas interessantes sobre o assunto; e já comecei a desenvolver uma ideia e penso que programas como o Escola Aberta e o Mais Educação estão “na mira” das minhas pesquisas.
Em relação à pesquisa com a UQ, acredito que o próprio PACC vem desenvolvendo umas ideias para modificar o caráter do projeto, e fico então disponível para qualquer futura parceria. A professora Heloisa sabe que adorei conhecer as quebradas e que pode contar comigo para qualquer coisa. Por isso, queria encerrar essa entrevista falando que agradeço por tudo, e “vamo que vamo”, pois é “tudo nosso”. Adorei quebrar nas quebradas!
A defesa da dissertação “Animação Cultural e Cinema na Extensão Universitária: um estudo de caso no projeto Universidade das Quebradas (UFRJ)” acontece no dia 28 de fevereiro no Centro de Ciências Humanas e Sociais da Unirio. O prédio fica na avenida Pasteur 458, Urca.
Você não pode perder! Confira o convite do evento aqui.
E leia o resumo do trabalho aqui.
A Universidade das Quebradas deseja muito sucesso nesse e nos futuros projetos do quebradeiro.
Por Mariana Mauro (Bolsista Pibex – ECO/UFRJ)
17/2/2013