Festival chega à terceira edição com debates, shows e projetos experimentais
RIO – Haja fôlego para acompanhar Heloisa Buarque de Hollanda. A escritora, editora e professora da UFRJ, à frente de numerosos projetos que misturam literatura e plataformas multimídia, participa do CulturaDigital.Br. O festival chega à terceira edição, pela primeira vez no Rio, com debates, shows e projetos experimentais. De sexta a domingo, o MAM e o cine Odeon (onde Heloisa fala sábado, às 15h) viram uma arena para discutir ideias em tecnologia, cultura e política, em evento aberto ao público e transmissão on-line. Ao lado de nomes como Kenneth Goldsmith (idealizador do UbuWeb), e Gilberto Gil (embaixador do festival), Heloisa falará como os anos 1960 e a contracultura se articulam com o universo libertário da cultura digital. Nesta entrevista, ela explica por que, aos 72 anos, é entusiasta da internet.
Qual é a importância de um festival de cultura digital desse porte no Rio?
HELOISA: É da maior importância, especialmente neste momento em que a cidade está recuperando sua autoimagem e seu papel de polo cultural.
Kenneth Goldsmith, do site UbuWeb, estará aqui para uma palestra. Você frequenta o site? Gosta do projeto?
Adoro. Ubu foi um dos primeiros sites que visitei e acabei me viciando por um tempo.
Paulo Coelho, que também participa do festival, via teleconferência, disponibilizou sua obra na internet. Na sua opinião, este é um caminho que todos os autores deveriam seguir?
Ele tomou a dianteira e fez um bom negócio. Foi pioneiro e exemplar. Mas esse ponto ainda é polêmico e, antes que se tenha uma convenção mais estabelecida sobre os novos modelos de negócio, respeito o direito de cada autor arbitrar sobre a disponibilização de seu trabalho. Eu, que não ganho nada como autora, tenho todos os meus livros para download no meu site.
Você poderia falar um pouco de seus projetos recentes que têm a convergência de mídias como elemento fundamental?
Quando se lida com tendências na cultura, é impossível não ser atraída pelas possibilidades que o universo digital abriu para minha área de trabalho, a literatura. Comecei com a curadoria do Portal Literal, me animei e criei no Oi Futuro a exposição “Blooks”, ou seja, “Blogs + Books” — projeto já antigo que focava a lógica participativa dos blogs de poesia e demais suportes literários. Achei, ajuizadamente, que não era dessa geração e trabalhei em parceria com Omar Salomão e Bruna Beber e, quando a exposição foi pro Sesc SP, convoquei Marcelino Freire. Daí pros outros foi um pulo: o Enter, antologia com a nova geração e minha primeira experiência em criação multiplataforma, e o Oi Cabeça, que traz cobras do pensamento transmídia para falar aqui. Agora trabalho no relançamento em app para tablet do meu livro com Marcos Augusto Gonçalves, “Anos 60”.
Você acha que a escrita dos autores contemporâneos tem na dicção a marca da internet?
Acho. A posição do narrador, por exemplo, mostra uma instabilidade e uma ironia evidentes. O trânsito deslizante que quase surfa entre os gêneros, também. Isso só para começo de conversa.
O livro impresso segue como um alvo final para os jovens escritores, ou a internet ocupou esse espaço?
O papel ainda é o sonho dos jovens escritores, com raríssimas exceções. Sinto de forma clara que o livro não compete com o digital. O que estão surgindo são novas práticas literárias experimentais multiplataforma e participativas, que provavelmente apontam para um novo gênero de escrita entre a literatura, o cinema e o design e… quem sabe mais o quê?
Kindles e iPads decretam o fim do livro ou, ao contrário, estimulam a leitura?
Estimulam a literatura, arregimentam novos leitores de segmentos diferenciados e estimulam o prazer da relação com a palavra. O livro só tem a ganhar.
Fonte: O Globo