A fome seria o primeiro motivo para a necessidade da fala. Movidos pela fome, somos forçados a falar. Assim, a literatura se une à fome e paradoxalmente se separa, já que a fome também está no limite da perda da palavra: não se fala de barriga vazia.
A experiência da fome, portanto, se aproxima do silêncio, daquilo sobre o que não se encontra palavra ou de que não se pode falar. O papel da literatura em relação a essa experiência se dá no momento em que ela se posiciona enquanto denunciadora da realidade que a cerca.
Foi sobre essa relação primordial, de amor e ódio, entre fome e literatura que falou a Professora da PUC-Rio, Ana Kiffer, aos quebradeiros na última terça. “Falar de literatura e fome é uma forma de associar literatura à vida”, afirmou a Professora.
Não apenas escritores famintos deixaram suas obras se contaminar por esse tema, mas também escritores distantes da realidade da pobreza o fizeram. Algumas obras, no entanto, sofrem o impacto da fome sobre a sua própria construção e, por isso, se interrogam sobre a possibilidade de a palavra representar a fome. Elas tocam o “impoder” da palavra, pois muitas vezes a mesmas é incapaz de representar a fome.
Nesse contexto, Kiffer cita autores como Graciliano Ramos, José de Castro e Glauber Rocha, comentando sobre o Tabu da fome de Castro, a questão Memória de Ramos como antídoto ao Tabu, e sobre a Estética da fome de Rocha. O último afirma que a fome, para o europeu, é uma temática exótica, enquanto para o brasileiro é uma vergonha nacional.
Kiffer, por fim, questiona: não seria a fome um dos traços da brasilidade que nos foi impedido de vir à tona por causa dessa vergonha, desse silêncio?
Texto: Cibele Reschke de Borba, bolsista PIBEX 2011
Foto “Rice market Indonesia” de IRRI Images – CC BY 2.0