Marcelo do Patrocínio fala sobre a sua experiência no festival Home Theatre e o prêmio de melhor ator criador.
UQ – O que significa Melhor Ator criador?
MP – O significado de melhor ator criador segue a necessidade do festival em presentear esteticamente a um jovem potente de favela, com uma obra de arte que tenha duração de 10 minutos.
UQ – Qual história você interpretou?
MP – Durante os dias que antecederam a apresentação, conhecemos alguns jovens de diversas favelas da cidade e ouvimos as histórias que eles quiseram contar. Eu fiz uma pergunta para a jovem Thaís Vieira, que tem seus 20 anos de idade, moradora do Morro do Borel e participante da Agência de Redes para Juventude, com o projeto Cibe – Centro de Integração Borel. A pergunta que fiz foi: Qual a palavra não compreendida? E a resposta da Thaís foi: Liberdade. Isto bastou para mexer com meu imaginário. Então, desejei traduzir em uma obra de arte a história que ela nos contou. Digo nos contou, pois o grupo de atores, juntamente com a diretora Susanna Krugue, ouviu todas as historias.
A Thaís me inspirou a criar um personagem, o “baba míope”, pois o trabalho dela é cuidar de crianças e ela tem isso por doação. Outra coisa que tornou o “baba” possível foram as três doenças de visão que ela tem. Foi um caminho mais singelo e forte em emoções que encontrei para falar de coisas que Thaís gostaria de falar. Minha missão foi dar voz a uma vida! Então criei um procedimento com mapa afetivo, desencadeamento de recursos com palavras, percepção afetiva direta na investigação familiar, serenidade seguida de seriedade. Pesquisei o escultor Rodin, o Bruno Latour, “Os objetos também falam”, Sartre, com “o ser e o nada, filosofia da existência”, Ranier Maria Rilke, “Carta a um jovem poeta”, e segui nas madrugadas refletindo e escrevendo. O texto final surgiu de uma estética literária que veio com o mapa e nove estátuas como plataforma cênica. Pesquisei também algumas músicas, Richie Havens – “Freedom”, Coldplay – “Paraíso”, James Brow – “Is a man’s wolrd”.
Só liberdade não basta!
UQ – Você também teve alguma história sua interpretada?
MP – Não teve história minha, pelo menos para ser encenada. Mas participei todos os dias do festival, desde da seleção até os dias em que eu tinha que dormir às 4 ou 5 horas e acordar às 6 para estar na cidade às 10, no hotel carioca, na rua Gomes Freire, ao lado de especiais atores e atrizes e da diretora Susanna Krugue.
UQ – Você considera o festival uma nova experiência de teatro, por quê?
MP – Considero uma nova possibilidade de fazer teatro em que a linguagem e a vida são uma coisa só, deslocando a cena para as casas, empresas e lojas, os transportes coletivos e as ruas, os becos e as esquinas, criando uma intimidade com a obra artística.
O festival foi uma provocação ao modelo arcaico do teatro, no qual você precisa ficar um ano criando, produzindo para estreia, para ficar em cartaz um ou dois dias. Um modelo merotocrático que cansa e fadiga atores e produtores, que perdem a percepção cotidiana em que tudo está acontecendo muito rápido, e eu tenho pressa em experimentar. Então o festival Home Theatre trouxe uma válvula de escape, e espero ter escapado bem da pressão do “teatro produção”.
DESCRIÇÃO DA CENA – O BABA MÍOPE
Duração: 10 minutos.
Cênero: Clown.
Um baba que chega à casa e se apresenta para uma jornada noturna em que ele afirma que seu trabalho é uma adoção; ele se veste com roupas brancas como de costume na profissão, usa uma pequena cartola branca, uma gravata-borboleta e sapatos de palhaço. Usa óculos e os objetos que vai tirando de sua bolsa azul vão aparecendo, os atores não humanos que comunicam a cena, com uma única luz azul cênica e um mapa afetivo (o texto), e é encenada a história da jovem Thaís Vieira na sala de sua casa, com a família e convidados, e a produção do festival. Duas trilhas sonoras foram utilizadas, a primeira foi cantarolada e tocada em um triângulo, a segunda música executada foi a Paraíso da banda Coldplay, com a qual se encerrou a cena.
Marcelo Patrocínio