Nos idos anos 80, ali por volta de 1984, eu brincava o Carnaval no interior da Paraíba, celebrando com os amigos mais um ano do bloco QG do Cemitério, em Areia. Naquele tempo já nos rondava alguma saudade dos antigos carnavais, herdada dos mais velhos. Se possuíamos, naquele momento, alguns bons blocos e uma pequena escola de samba, a Última Hora, e uma troça de índios Cariris, comandadas por João Pé-de-Bolo, vivíamos a lacuna de nunca termos visto Os Espanadores, de seu Artur, com suas roupas de gala em preto e dourado. Os meninos ainda saíam batucando numa La Ursa cantando “o urso quer dinheiro, o urso quer dinheiro pra brincar o ano inteiro”. Uma orquestra de frevos com Zé Ribeiro e outros desfilava horas a fio tocando o Vassourinhas. Mas havia o saudosismo, todos diziam que “carnaval bom era o carnaval do passado”. Ora, gente, isso lá no interior profundo da Paraíba brejeira. Agora, aqui no Rio de Janeiro, ando a escutar as mesmas constatações: o Carnaval já não é o mesmo. E para mim, nunca mais será.
Essa introdução é só um pretexto para lembrar dois fatos que provam que o carnaval realmente já não é o mesmo. Naquele galante ano de 1984, como disse, eu brincava o carnaval quando, no melhor da festa, já à beira de catapultar-me de vez no frevo rasgado, alguém tocou meu ombro e me disse sem qualquer cerimônia: — Aderaldo, tua mãe quebrou a perna. Tá no hospital e só chama por tu! — Pois foi assim que meu fogo e minha adrenalina baixaram a zero e saí correndo para acudi-la. Mamãe gostava de ginebra, uma bebida destilada de altíssimo teor alcoólico cujo efeito é instantâneo e profundo. Em minha desabalada carreira, eu maldizia a ginebra pois sabia que aquela tíbia quebrada era o preço de uma carraspana braba. Dito e feito: estava lá, mamãe, anestesiada pela bebida, com a perna engessada e rindo, dizendo que escorregara numa casca de banana. Meu carnaval teve a quarta-feira de cinzas antecipada. Levei-a para casa e passaram-se três meses de recuperação. Éramos só eu e ela e aquela folia suspensa foi o melhor tempo para nós dois. Meus carnavais nunca mais foram os mesmos. Nem serão.
Pois bem. 2013, carnaval batendo à porta, planos traçados, agenda debulhada e na quinta-feira pré-carnavalesca, notei que Expedito, nosso gatinho mais novo, não conseguia fazer xixi. Corria para a caixinha de terra, fazia força, força e nada saía. Apalpei sua bexiga e estava plena, uma bolha imensa represada no ventre de nosso pequeno pitéu. Passei a observá-lo e, diante do seu desespero, fui tomado de imensa preocupação. Levei-o à veterinária e o quadro lamentável de cálculos na bexiga, pequenos cristais obstruindo a uretra. Foi necessário colocar a sonda e retirar-lhe todo o líquido urinário rico em sedimentos e vermelhidão. E aí percebi que o carnaval não seria, absolutamente, o mesmo. Somam-se oito dias de idas diárias a várias clínicas veterinárias, com seus horários especiais de feriado. Percebi que os veterinários também viajam e brincam seus carnavais, raras clínicas abrem, os tratamentos ficam suspensos e que nossos bichinhos são tratados como gente: aos pontapés do esquecimento. O Carnaval já não é o mesmo: há muito que ser feito. Saúde para todos, inclusive para os animais de estimação.