Ping pong com Davi Marcos, um fotógrafo da periferia

“Participar da Quebradas foi um lance muito bom em minha vida, pois estava num momento de quase desistir da arte, foi como um último tiro. Se acertar eu me mantenho mais um tempo, pensei”. A Universidade das Quebradas – Polo Avançado de Manguinhos conheceu, em 2011, Davi Marcos de Oliveira, um fotógrafo apaixonado com histórias incríveis para contar.

De onde veio seu amor pela fotografia?

Nos anos 80, eu conheci a fotografia e me apaixonei. Meu pai tinha um amigo que era fotógrafo, desses de festinhas e de fotos de criança para pendurar na parede da sala. Meu pai tinha uma Instamatic da KODAK, uma máquina caseira, que eu quebrei ao brincar, levei umas chineladas, aprendi a valorizar a máquina e depois quebrei o violão do meu pai, também aprendi a valorizar os instrumentos musicais.

Como você enxerga sua relação com a fotografia? Acha que tem algum papel social?

Minha formação foi em ONGs e projetos sociais, nos quais recebi a técnica e a ideologia de transformação do mundo ao meu redor, algo que eu já tinha em minha alma, porém fui lapidando e direcionando para a eficácia necessária, ao menos é o que eu acredito.

Dei aulas em diversos locais, inclusive no DEGASE e em alguns presídios de Bangu, onde me senti mais útil como ativista e sonhador. Ver que alguns dos antigos detentos, que foram meus alunos, largaram a vida do crime, me remete ao meu passado e me traz a sensação de dever cumprido, mas sem a inocência de crer que podemos mudar o mundo.

Quais as dificuldades que costuma enfrentar por ser um artista de periferia?

Me mantive da arte até pouco tempo, mas confesso que quanto mais crescemos como artistas, mais difícil fica se manter da arte. Conheci muitas pessoas famosas, muitos artistas que estão no auge, porém na contramão disso venho tendo dificuldades financeiras, talvez por ter me doado mais ao sonho e a ideologia, que a questão prática de gerar renda, é uma sinuca de bico. Agora estou voltando ao mercado formal de trabalho, estou passando por um processo seletivo para trabalhar como operador de telemarketing, função que desenvolvia antes de ser fotógrafo. Agora é o retorno no tempo que me faz pensar nos caminhos que decidimos, mas não me arrependo, sei que enquanto pude manter o sonho, mantive com unhas e dentes. Ter um filho de nove anos nos faz realizar praticamente qualquer coisa, para que os sonhos dele não se percam como os meus.

Como é seu olhar como fotógrafo? Você tem alguma influência ou referência?

Minha linha de fotografia foi a documental, aprendi com um dos grandes mestres, João Roberto Ripper, que ao lado de Sebastião Salgado é minha maior referência como fotógrafo. Fui aluno do Ripper e também do Dante Gastaldoni, um cavalheiro, desses que se vê em filmes europeus, um exemplo que venho tentando seguir no meu cotidiano. Na escola de Fotógrafos Populares aqui na Maré, tivemos contato com os melhores fotógrafos, nacionais e internacionais, e assim evoluímos muito no olhar e no clickar. Atualmente integro a agência Imagens do Povo, que é parte do Observatório de Favelas, onde podemos colocar o fluxo de nossa produção e também termos condições de produzir mais, pois temos acesso a equipamentos e formação de aperfeiçoamento, é um espaço ímpar e que amo muito.

Você tem feito exposições ultimamente? Qual o trabalho que realizou que mais marcou sua vida?

Participei de diversas exposições, inclusive no Travessias aqui na Maré, com grandes nomes da arte contemporânea no Brasil, como Raul Mourão, Rochelle Costi, Emmanuel Nassar, Marcos Chaves, dentre outros. Fiquei muito feliz, tive inclusive a oportunidade de conhecer e levar para passear aqui na Maré, a Marisa Monte. Conversamos sobre os mais variados assuntos e no final fizemos uma foto juntos. O grande momento, no meu ver, da minha incursão pela arte, foi quando conheci o ex-presidente Lula, pois fizermos uma exposição no Palácio do Planalto. Minha mãe, que ainda estava entre nós, ficou muito feliz ao ver minha foto com ele, nada mais feliz pra mim que aquele olhar de orgulho dela.

Sua participação na Universidade das Quebradas trouxe alguma inspiração para vida profissional ou pessoal?

Participar da Quebradas foi um lance muito bom em minha vida, pois estava num momento de quase desistir da arte, foi como um último tiro. Se acertar eu me mantenho mais um tempo, pensei. Me mantive e muito feliz, conheci pessoas maravilhosas, como a Heloisa Buarque, Numa Ciro, Aderaldo Luciano e também fiz novas conexões, como por exemplo o Careca Sanduba Arts, que foi uma referência de faça você mesmo. O cara mora na favela do Arará (Benfica) trabalha com audiovisual de forma autodidata e manda muito bem mesmo. No mais eu venho tentando me expressar de formas mais variadas que a fotografia e o audiovisual, que são as minhas bases de domínio. Temos que expandir sempre mais, eu creio.

Qual conselho daria para um fotógrafo iniciante?

O começo é a parte mais difícil, mas se manter é andar na corda bamba e muitas vezes no fio da navalha, o que posso deixar para os que estão começando é que lutem enquanto puderem sonhar, mas sem perder de vista que nós, artistas de origem popular, temos mais lutas e barreiras que os demais artistas. Podemos ter que parar para respirar, mas devemos nos manter na corrida, pois somos nós que devemos contar nossa história, e a minha com a arte está apenas começando.

A Universidade das Quebradas tem orgulho em dividir um pouco da trajetória desse quebradeiro, que nos mostra um outro mundo com suas lentes e flashes. Parabéns pelo trabalho, Davi!

Por Mariana Mauro (Bolsista PIBEX – ECO/UFRJ)