Texto escrito por Pedro Diego Rocha
O primeiro contato com a sala de aula dos quebradeiros e quebradeiras da edição 2016 da UQ ficou por conta da professora, escritora e cientista social Silvia Ramos. Na parte da tarde da última terça-feira, 12 de abril, ela ministrou a aula “Rio Cidade Maravilhosa: do cortiço à favela”, apresentando aos alunos dados importantes sobre violência e políticas de segurança, ao longo da história nacional.
Atualmente atuando como coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESEC) da Universidade Candido Mendes, Silvia é mestra em Psicologia Clínica, pela PUC-Rio, e doutora em Saúde Pública, pela Fundação Oswaldo Cruz. Ela iniciou indicando três livros sobre o tema de sua aula: “Brasil: uma biografia”, de Lilia M. Schawarcz e Heloisa M.Starling; “Rio de Janeiro: história de vida e morte”, de Luiz Eduardo Soares e um texto de sua própria autoria, “Violência e Polícia: três décadas de políticas de segurança no Rio de Janeiro”.
A professora comentou que as autoras de “Brasil: uma biografia” resolveram pensar no país como se fosse uma pessoa – por isso o nome do livro -, abordando duas questões que a ajudaram a entender assuntos que ela mesma estuda e pesquisa já faz mais de 20 anos. “Elas escolheram duas esquinas da constituição do Brasil a partir de uma prática de violência: a escravidão e violência e todas as decorrências disto como sendo (motivos) para que o Brasil tenha se tornado Brasil”. Segundo Silvia, estes são aspectos constitutivos, mas não que o país seja reduzido a eles.
Ela apresentou aos presentes tabelas com informações a respeito de revoltas, inconfidências, conjurações, sedições, revoluções que aconteceram no decorrer da história nacional, mostrando que, ao contrário do que muito se pensa e divulga, os processos de Independência (em 1822) e República (em 1889) não se estruturaram sem traumas para o povo, em relação à violência. A professora chamou a atenção para números que explicam de forma direta o histórico de hostilidade e agressividade o qual a nação atravessou.
“Em 1570, ainda no início do Brasil, tem início a importação dos escravizados africanos. Até o fim do tráfico negreiro, em 1850, quatro milhões e 900 africanos chegaram deportados. 280 anos de tráfico. Ainda demoraram quarenta anos para a escravidão ser abolida oficialmente. O Brasil foi o último país do mundo a abolir totalmente a escravatura”, citou a professora.
“O Brasil tem 60 mil homicídios por ano”
Silvia falou também falou dos quilombos, da destruição deles e da desproporção que a população brasileira tinha em 1584: 25 mil brancos 18 mil índios “domesticados” e 14 mil escravos negros. “Dá para entender a proporção, a potência desses escravos chegando no Brasil. Muitos países se constituíram pela mistura de gente vindos de outros lugares. Só que no Brasil, os negros vieram obrigados e deportados”. Durante suas explicações, Silvia situava os alunos com exemplos de tipos de violência que aconteciam à época.
Percentuais sobre homicídios classificados por dolo, sexo, raça, idade, décadas, regiões do Brasil e do Estado do Rio mostraram uma realidade bem clara, na qual é possível ver porque o país é um dos mais violentos do mundo. Quanto à taxa de homicídio total, são 25,2 % e o Brasil ocupa a 6ª posição do ranking geral de nações. Já em relação a assassinatos de jovem, são 51,6 % e o 5º lugar. Só de homicídios, o país tem 60 mil por ano. A professora também falou de outras formas de violência criminal, que, segundo ela, acontecem mais onde há homicídios, como roubos, ameaças e lesão corporal. “Matar é uma prática cultural disseminada nesta sociedade”, alertou Silvia.
A especialista ainda analisou que nada é feito há tempos para mudar o percentual de mortes por ano, ainda mais no Rio, justamente pelas características de quem acaba sofrendo este tipo de ação: em sua maioria homens jovens, negros, pobres e moradores da periferia. “Política de segurança é importante, não adianta ficar dizendo que precisa diminuir a pobreza, a miséria, a desigualdade. Precisa de política de segurança que reduza os homicídios”, afirma Silvia, acrescentando que, quando é feito de forma séria, este processo mexe na polícia, moderniza, cobra e protege a vida e não o patrimônio.
Silvia indicou livros para pensar no tema “Dos cortiços às favelas”, entre eles alguns que serão estudados pelos quebradeiros em 2016: “O Cortiço”, de Aloísio de Azevedo; “Os Sertões”, de Euclides da Cunha; “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freire, “Raízes do Brasil”, de Sergio Buarque de Holanda e de Caio Prado Junior, “Formação do Brasil Contemporâneo”.
E mencionou atuações como Voz da Comunidade, Papo Reto e a UQ como quem fala atualmente sobre o Rio e suas dificuldades, ainda mais com o advento da Internet e a possibilidade de alcance mundial destas informações. “A grande novidade do Brasil é que quem começa a narrar o Brasil são os próprios protagonistas das favelas. E em relação à violência, só temos uma saída: que é quando os próprios jovens de favelas tomarem esse assunto em suas mãos.
A questão da violência na periferia, nas favelas e comunidades é, infelizmente, realidade na vida de muitos cariocas e, inclusive, de muitos quebradeiros. O tema gerou um debate com comentários e depoimentos de alunos, que relataram situações destas em suas quebradas. Mídia e violência, quem ganha com a violência no Rio, pessoas desaparecidas, atuação e comportamentos de traficantes ao longo das décadas foram alguns dos temas comentados.
Quem quiser ler mais sobre o tema, o site do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESEC) tem dezenas de publicações, livros e textos para download, além de links, artigos, matérias, estatísticas e outros materiais. Confira.