por Georgina Martins
A antropóloga e professora da UFRJ, Ilana Stozemberg, responsável por discutir com os Quebradeiros a questão das diferenças culturais, começou sua aula a partir da conceituação de cultura sob a perspectiva da antropologia.
Para ILana, cultura é a maneira de pensar e de se comportar de um povo, sua visão de mundo. Em tudo o que o homem faz está contido essa visão. Os prédios que constrói, a forma de preparar os alimentos, a arte que produz, a forma como organiza a vida, o modo como cuida das coisas, enfim tudo isso configura-se em manifestações do pensamento, por isso a cultura é o conceito central da antropologia. E o que vem a ser antropologia mesmo? Antropologia é o casamento entre duas forças: desejo de uma explicação racional para o entendimento do mundo (já que não basta mais somente uma explicação biológica ou religiosa) e o agir sobre o mundo, sem precisar ficar à mercê dos desígnios divinos.
A partir dessa breve exposição, Ilana colocou perguntas que considera muito importante para se pensar o dilema das diferenças:
- Como é possível pensar sobre as diferenças?
- Que implicações têm essas diferenças sobre a possibilidade da unidade como um todo?
- Ainda é possível pensar na unidade da humanidade?
Existe uma característica de diversidade que é muito grande, mas a diversidade é do ponto de vista da vida social, pois se somos todos fisicamente os mesmos, em que a gente difere? No pensamento, na forma de ver e de agir sobre o mundo. Cultura surge com a preocupação das diferenças. Para Aristóteles, a causa da diferença era o físico, pois ele se pautava por uma noção de raça, uma noção dominada pela biologia, e pelo que hoje conhecemos como física, uma antropologia somente preocupada com a origem física do homem.
Durante muito tempo a noção de raça foi extremamente importante, muita teoria se produziu nesse momento, como a lombrosiana, por exemplo, que deu origem aos antropomédicos, aqueles que mediam a capacidade intelectual, bem como a inclinação para o crime, e até mesmo as doenças da mente, como a loucura, a partir de características físicas. Essa teoria foi a mais nociva da humanidade, do ponto de vista político e social, pois as raças não eram consideradas iguais, o europeu era o superior, o racional, o desenvolvido. Uma visão radical e determinista, que não permitia que o homem pudesse mudar de lugar, uma vez que ele era marcado pelo seu destino. Isso justificou a escravidão e o extermínio aos judeus.
No Brasil, antes da década de 1930 se pensava que o mestiço, o misturado não poderia contribuir para um país desenvolvido, logo, não tinha esperança, porque a mistura degrada: cafuso, mameluco etc.
Ao contrário dos europeus, nossa origem é a mistura. Quantas tribos e culturas existem na África? Quantas culturas existem na África e entre os índios brasileiros?
A dominação política usa o argumento da cultura, mas ela legitima a ideia de que cultura e diferença física andam lado a lado, e isso é um erro. As diferenças físicas não têm nada a ver com a constituição humana. A determinação do físico sobre o cultural foi inteiramente descartada pela Antropologia.
Somos todos um só, a humanidade é uma só. As diferenças existem porque algumas sociedades cresceram, se desenvolveram mais que outras, evoluíram e outras não. Por quê? Está pressuposto aí que uns cresceram e outros não, uns conseguiram e outros não.
Existe evolução da humanidade ou cada cultura evolui à sua maneira? O ato de respirar é cultural? O que é cultural? E aí, como a gente entende e como a gente lida com isso?
A ideia de evolucionismo é de que há um tempo único e que existe um objetivo comum, que todos têm de alcançar, por isso é melhor não falarmos em evolução, mas em dinâmicas, em transformações, em mudanças. Todas essas ideias: de raça, do ambiente, de evolução são ideias etnocêntricas, pois partem do pressuposto de que aquilo que é diferente de mim é inferior. Para não sermos etnocêntricos não podemos avaliar o outro a partir de nós mesmos.
Quando você rompe com a ideia de evolução, com o etnocentrismo, aí você percebe que toda sociedade tem cultura. Para a Antropologia, hoje, a cultura é uma construção de determinados universos sociais, são todos equivalentes, coexistentes, todos têm uma história, um potencial criativo. Cultura é muito próximo à ideia de linguagem, é um instrumento através do qual nos relacionamos com o mundo.