Relato de Rute Casoy sobre a oficina de Malika Booker
O dia estava abafado. Foi muito difícil chegar na Penha. Calculei uma hora e meia de viagem, peguei o ônibus que vai pelo Fundão, e que passa aqui pelo Catumbi, mas o trânsito estava péssimo, e só consegui chegar lá às 15h30. No ponto final, o motorista, mal-humorado, me indicou a direção oposta. Ninguém soube informar com firmeza de que lado seria o Parque Ary Barroso, nem a Arena Dicró. Cada vez mais percebo as pessoas nas ruas dando menos informação. Ninguém sabe mais dizer onde ficam os lugares. Nada. Andei meio a esmo, perguntando a todos os passantes, e finalmente, na entrada da UPA, uma baleira mostrou o caminho. A rua era bucólica. Exausta, adentrei na arena arfando. Fui muito bem-recebida pela produção. O lugar é lindo, amplo, cercado de verde. A oficina não era às 14h, e sim às 16h, menos mal. Encontrei a Emilia das Quebradas. Fomos então dar uma olhadinha na mesa que acontecia no auditório principal. Estava totalmente cheio. Nunca pensei. Tivemos que subir e assistir de cima. A maioria da audiência era de crianças uniformizadas. Quem falava era o escritor Vinicius Jatobá, de Madureira, que estava contando como e porquê se tornou escritor. Senti inveja. Tenho inveja de escritores em geral, é sempre assim. Talvez um dia possa escrever sobre isso. Perto das 16h saímos para a oficina. Vi um burburinho na porta de uma sala e percebi que era lá. Entramos. Malika é negra, jovem, muito bonita e elegante. Tem uma elegância fina e simples. Vestida de preto, com muitas pulseiras de prata e plumas azuis nas orelhas. Estava cercada de tradutores e representantes do Bristish Council. Achei chique. A primeira coisa que a ouvi dizer, no seu inglês impecável, foi I am very happy to be here — repetiu isso algumas vezes. Ela então me ganhou logo de cara. Sua expressão era sem afetação. Lembrei dos meus amigos africanos, os griots da minha vida. Tem uma emoção que só eles sabem passar. Uma simplicidade. Uma grandeza. Uma nobreza. A oralidade tem mistérios. Não é técnica, é DNA. Por aí. As tradutoras pareciam estar felizes. A turma era uns dez, doze. Uns cinco ou seis jovens atores da Cia Solta e algumas senhoras soltas (desculpa a brincadeira). Ela se apresenta rapidamente e pede para que todos nós façamos o mesmo. Depois, a coisa foi fluindo leve, leve, leve. Como engajar the audience? O público? Como levar o público à emoção desejada? Como tornar o trabalho vivo? A palavra viva? Como empolgar, maravilhar? Cativar, fazer chorar? Como vender a ideia e depois o seu livro? Fizemos um trabalho corporal para aquecer e abrir a sensibilidade. Jogamos uma bola imaginária, e a bola ficou muito quente. Depois nos tocamos, nos comunicando em duplas. Foi tranquilo, divertido, doce. Ela leu um poema. Para minha surpresa, nos conta que suas performances são lidas com o livro na mão mesmo. Da apresentação passamos à técnica. Roteirizar nossos textos que deveriam ser bem curtos, como era o tempo que tínhamos. Perguntar ao texto como ele gostaria de ser dito, com que tipo de ênfase. Drama, afirmação, fofoca. Ressaltar as palavras mais importantes. Em alguns minutos estávamos lendo nossos poemas um a um. Foi então que Malika demonstrou seu grande talento em ouvir com respeito, com atenção sobrenatural, fazendo devolutivas seriíssimas, altamente sensíveis. Estávamos bem concentrados. Na minha vez, senti seu rosto como um espelho, a cada nuance uma atenção muito amorosa. Me emocionei. Trabalhamos em trios, misturando os textos. A demanda era abrir mão, desapegar, e permitir transformar nossa autoria em algo novo. Aí também fui feliz. Nosso trio recebeu muitos elogios. Terminou assim três horas deliciosas de pura poesia.
Por Rute Casoy – Assistente pedagógica da Universidade das Quebradas