Quebradeiros escrevem inspirados pela aula de literatura

É do Grilo!,  por Isabele Aguiar

O Morro do Grilo, assim apelidado simpaticamente por um querido amigo, foi muito presente em minha infância. Ele era enorme e cheio de pedras, que eu achava que a qualquer momento poderiam cair sobre a minha casa. Era belo ver aquele verde todo tão perto de mim, como se fosse o jardim do meu quintal, que floria lindamente em toda primavera.

Algumas vezes eu fazia trilhas longas e cansativas lá – e morria de medo das cobras que dali poderiam vir. O Morro do Grilo me trazia a semelhança de uma cidade do interior, uma coisa meio pura, de roça. Com o passar dos anos fui crescendo e aquele morro enorme foi ficando pequenino e, com a correria dos dias, foi participando cada vez menos da minha vida. Eu mal conseguia olhar pra ele, saía muito cedo de casa e voltava bem tarde quando a ausência de luz já não me deixava vê-lo em sua plenitude.

Certo dia me atentei para as construções que estão sendo feitas ali e senti metade da minha infância sendo queimada. Senti um peso ao permitir que acontecesse aquela agressão com meu jardim. Hoje ele já está bastante povoado, com casas enormes e quase sem áreas verdes, mas ainda sinto refletir em mim todo o respeito que aprendi a ter pela natureza, ali no Morro do Grilo.

Fiquei muito inquieta ao ouvir Eduardo Coelho declamar O Soneto VII de Cláudio Manoel da Costa. Embora já tenham se passado seis anos da minha vida trabalhando no mercado imobiliário, e sabendo que esse desmatamento tem se tornado comum para o “progresso”, nunca nada havia me remetido lembranças tão fortes quanto neste soneto.

Isso me fez sair da aula com outro olhar, um olhar voltado pra mim, como cidadã, como parte deste desenvolvimento que a gente não sabe até onde vai chegar, e a quantas lembranças vão tentar apagar.

Quero agradecer à Universidade das Quebradas e Eduardo Coelho, por me fazer conhecer um pouco desse poeta tão dividido entre a natureza e o que fazemos dela.

 

 

O poeta dividido e o poder da literatura, por Marcio Rufino

Quando li no site, na página da pré-aula que a mesma seria sobre o poeta Claudio Manoel da Costa e sobre o fazer literário, me dei por muito satisfeito. Enfim poderia compartilhar com os amigos quebradeiros sobre essa angustia e prazer de ser escritor num país aonde a arte, a cultura e a educação são tão maltratados; onde professores são agredidos com spray de pimenta por policiais (que ainda ficam se exibindo nas redes sociais) em manifestações; onde um poeta pra conseguir editar seu livro de poesias tem que pagar um preço de dor e de sofrimento, num país que apesar do acesso à educação ter aumentado, uma criança chega ao quinto ano do Ensino Fundamental sem saber ler nem escrever; num país que trata a literatura como um ofício inatingível, onde só poucos privilegiados tem o poder de exercer e praticar; privilegiados esses ligados a academia e ao grandes meios de comunicação e de mídia.

Chegando na sala 3.1 do MAR eis que Heloísa Buarque de Hollanda e Numa Ciro nos apresentam a figura franzina, barbuda e branca do professor de Literatura Eduardo Coelho. Versado em poesia brasileira, ele palestrou sobre a trajetória do poeta Claudio Manoel da Costa que fez recordar os tempos de colégio quando ouvia seu nome figurar entre um dos integrantes da Inconfidência Mineira.

A vida de Claudio não deixou de ser interessante. Já cedo era um cidadão do mundo. Filho de portugueses pobres que viviam em Vila Mariana (MG), foi enviado para o Rio de Janeiro para estudar no convento que ficava no morro do Castelo. Depois foi para Portugal estudar na Universidade de Coimbra. Lá viveu todas as delícias de uma Europa soberba e clássica. Com a morte do pai, Claudio é obrigado  a voltar para o Brasil para cuidar da fazenda, dos negócios e da família. Encontrando aqui o caos de uma urbanização desordenada, a poluição dos rios e a selvageria da extração do minério e sobretudo da escravidão. Naqueles meados de século XVIII, acaba se tornando um poeta dividido entre a estrutura harmoniosa do Arcadismo, o conteúdo rústico e angustiado do Barroco e a nostalgia do Classicismo.

Depois do intervalo do café, foi a vez de Sandra Portugal nos mostrar a primeira bandeira do Brasil que remonta ao II Reinado Imperial. Fiquei estupefato com o amarelo dourado, o café, a cruz de malta e o globo. Ah, sim! antes fomos presenteados com a letra da música Nação de João Bosco, Aldir Blanc e Paulo Emílio. Isso tudo foi para servir de abertura à uma palestra sobre as ideias de Todorov a respeito do fazer literário tirados de seu livro “O que pode a Literatura?”. Abriu-se um debate sobre essa questão entre nós quebradeiros.

“Faço literatura para não enlouquecer. Faço literatura porque a vida em si não me basta. Faço literatura para buscar a transcendência. Faço literatura para me libertar de algo que não sei o que é e é nessa ignorância que está o sentido da busca. A ignorância que me protege do grande mistério da vida que pode me enaltecer ou me destruir. É por isso que faço literatura.”

Depois do lanche, Fábio Augusto, Tita Clemente, Juliana Barreto e um amigo, e eu fomos para o bar fazer mais uma edição do Sarauvá.