Às margens da BR 101, entre os municípios de Paraty (RJ) e Ubatuba (SP), o Quilombo Campinho da Independência resiste ao crescimento da Costa Verde – área turística valorizada pela presença de praias paradisíacas e da Mata Atlântica. O quilombo tem aproximadamente 287 hectares, onde cerca de 100 famílias vivem da agricultura e do turismo. A luta pelos direitos dos moradores do quilombo é contínua, já que as tradições afrobrasileiras dividem espaço com atividades econômicas da região mais próspera do país.
Para Daniele Elias, coordenadora de turismo do quilombo, a história da comunidade se confunde com a história do negro no Brasil. “Nossos ancestrais tiveram que lutar para conseguir seus direitos. Hoje estamos aqui dando continuidade a esse importante trabalho de preservação da cultura negra não somente para o estado do Rio, mas para todo Brasil”, comenta a quilombola.
Com a abertura da BR 101, na década de 1970, e a vinda de grileiros para o sul do estado, a comunidade se organizou em busca da posse da área e foi uma das primeiras a conquistar este direito. O título de propriedade das terras, outorgado pela então governadora do Rio de Janeiro, Benedita da Silva, aconteceu em março de 1999. “Foi uma grande conquista da comunidade. Hoje somos um dos únicos quilombos titulados do estado”, explica Daniele.
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Autosustentação é o grande desafio do Quilombo
Após a conquista dos títulos de posse, o maior desafio encontrado pelas lideranças foi sua autossustentação. A comunidade teve que se organizar para buscar meios de manter os quilombolas em suas terras, sem que precisassem sair delas para trabalhar. A exploração da agricultura, do artesanato e do turismo, em harmonia com a natureza, foi a solução encontrada. Os quilombolas acreditam que a preservação do meio ambiente é fundamental, já que dele são extraídas as matérias-primas para o sustento da comunidade.
Segundo Vagner do Nascimento, o Vaguinho, presidente da Associação de Moradores do Quilombo Campinho (AMOQC), o trabalho comunitário surge no início dos anos 2000 como a principal forma de subsistência do quilombo. “Depois da titulação, desenvolvemos o turismo na região, fundamos um restaurante sustentável, além de buscarmos a geração de renda através do artesanato e das festas voltadas para a preservação das raízes africanas”, explica.
O quilombo ainda possui um viveiro onde se cultiva a palmeira Jussara, espécie ameaçada de extinção pelo grande valor gastronômico de seu palmito. “As terras do quilombo são ricas em vegetais. Dos nossos quintais tiramos maracujá, manga, cacau, coco, limão e muitos outros alimentos. A natureza é nossa fonte de vida. O desafio de nos autossustentarmos é grande. Antes, os nossos ancestrais lutavam pela liberdade. Hoje, estamos lutando pela preservação de nossa terra”, aponta Daniele.
Em uma das partes mais altas do quilombo vive Dona Tina, dona de uma pousada e de um camping que costumam receber turistas em busca de descanso em meio a uma densa e colorida natureza. “Temos recebido gente de inúmeros lugares. Há pouco tempo, recebemos um grupo de 41 estudantes de arquitetura de diferentes nacionalidades. Souberam do quilombo através de pesquisas feitas a partir de relatos do ativista e líder negro Abdias do Nascimento, morto em 2011, e vieram ver como vivíamos”, conta.
Dona Dilsa, responsável pelo artesanato do quilombo, diz que preservar a natureza é muito importante, pois dela se extrai cerca de 90% da matéria-prima para o artesanato. “Temos duas lojas onde vendemos os produtos fabricados à mão pelos quilombolas. Oferecemos oficinas para os jovens e mostramos a importância da preservação da natureza”, conta.
Encontro da Cultura Negra chega a sua 15ª edição
Novembro é o mês mais movimentado para o Quilombo Campinho. Desde 1998, os descendentes de escravos promovem o Encontro da Cultura Negra em comemoração ao dia da Consciência Negra, no dia 20. O resgate da cultura afro tem destaque nas danças, na culinária e na música, além de atividades como oficinas de artesanato, palestras e desfile da beleza negra.
Em 2013, a festa contou com uma feijoada e samba de roda. As crianças da Escola do Campinho encenaram a música “Eu brasileiro”, de Luis Perequê, além de entoarem ritmos populares como o funk e o hip hop, com letras criadas a partir do cotidiano dos quilombolas. Aspectos importantes da cultura negra também foram exaltados durante o festejo por grupos do quilombo como capoeira, ciranda e reggae.
Perguntada sobre o por quê da existência de três igrejas e nenhum terreiro de religião afro-brasileira, Daniele foi breve na resposta. “Os catequistas vieram e catequizaram os negros. Não demorou muito para que as religiões de matrizes africanas fossem consideradas demoníacas. O preconceito varreu essas religiões das terras do Quilombo Campinho”, desabafa a quilombola.
Reportagem e fotos de Guilherme Jr, quebradeiro da 4a edição, material desenvolvido em parceria com o site Viva Favela do qual é correspondente.