Uma parábola e tanto esta da cidade maravilhosamente suja, resultante de uma remuneração nos limites da humilhação dos garis cariocas. Não me lembro em toda minha vida, ter visto ou ouvido falar de uma situação como a que está vivendo o Rio de Janeiro.
Mas para além disso, foi muito educativo ver as reações dos cidadãos das diversas classes e esferas da sociedade, quase todas provocadas ou geradas das recorrentes narrativas e estratégias de manipulação implantadas nos principais sistemas de comunicação, o que já não surpreende mais ninguém: desde a primeira fala incriminam, julgam e punem sumariamente os garis, acusando-os de chantagistas aproveitadores da ocasião festiva, em seguida um jornalista chapa branca diz que os grevistas são minoria e que são uma ameaça aos não grevistas, corte para a fala pelega do presidente do sindicato dos garis que com a voz insegura e titubeante de um fantoche, diz suspeitar que o PSOL e o PR estão envolvidos, em segundos colocam a imagem de M. Freixo alegando que de nada sabe as relações do seu partido com os fatos, mas que não vê nada demais diante das possíveis relações político partidárias dos garis. Por fim de forma dramática entra em cena nosso Prefeito, encarnando o personagem revoltado de sempre e por sua vez jogando duro – como de costume, numa só canetada demite mais de 300 garis de uma vez – mas recua um dia depois ao ser aconselhado que mais uma vez agiu sem ajuda dos poucos neurônios que lhe restam. Bem, no último “clack” magistral e bem pensado da telinha da nossa emissora oficial, uma senhora passa por um monte everest de sacos pretos molhados da chuva e se limita a tapar o nobre nariz empinado para não “encarar” o cheiro que ela mesma produz. Resultado: no outro dia gari vira inimigo número um da população! Porém, o dado mais chocante e que gostaria de trazer aqui, foi a visão em mega escala, materializada e fétida, do que nós humanos da metrópoles somos capazes de descarregar no êxtase consumista durante pouco menos que uma semana ou para ser mais direto: durante nossa festa maior, o carnaval! A celebração da carne, que ano após ano tano conseguimos subverter e deturpar no pior dos sentidos, transformando-a numa exaltação ao desperdício e a insustentabilidade. Basta assistir ao desfile das grandes escolas. É insano! Seria muita ingenuidade, culpar a festa de Dionísio, Bacco ou nosso Exú, que em última instância não deveriam ser julgados como o algozes do problema. Mas foi, coincidentemente ou não, na festa devotada a eles, o carnaval carioca, que a merda foi jogada no ventilador! Explodiu! desencadeada pela estratégia dos garis ao realizarem a greve em plena folia! Que ideia brilhante! Porque não fizeram isso antes? Teriam se inspirado na Ucrânia ou nos Black Blocs?
Em consequência desse fenômeno, ficou escancarado o quanto todos nós produzimos compulsivamente sacos plásticos, caixas de papelão, papel, alumínio para nenhum catador de latinhas reclamar e milhares de litros de urina derivada das cervejas, transbordando dos banheiros químicos, escorrendo das árvores, muros e cantos de toda a cidade. Uma festa dantesca e que acredito milhares no Rio de Janeiro puderam testemunhar, mesmo em anos anteriores. Foi simplesmente a visão do belo e do feio, juntos e sincronizados pelo samba, numa subversão de proporções nunca antes vista nesta cidade. Nem mesmo quando Joãozinho Trinta, causador da grande controvérsia do carnaval da Beija-Flôr de 1989, desfilou na avenida o seu: “Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia”. Ao meu ver uma iluminada ode ao non sense que se transformou o Carnaval! O carnavalesco deve estar agora delirando e sambando com o macacão laranja dos garis, como fez na época! Então é isso: que o carnaval de 2015 seja o carnaval onde os Garis desfilem como heróis encarnando o enredo de alguma Escola Samba, como exemplo de dignidade ética para o Brasil. Que o “Sorriso”, aquele gari carioca emblemático e poético, saia como destaque principal. Que todos nós, cidadãos acordemos de hoje em diante e a cada dia, mais reciclados e prontos para ariar as nossas mentes, para que nas próximas eleições, os políticos por nós eleitos (estes sim deveriam estar limpando as ruas, porões e esgotos deste país) não permitam mais que isso aconteça no Rio de Janeiro ou em qualquer cidade do Brasil. foto: o gari Sorriso na passarela do samba.
Foto: o gari Sorriso na passarela do samba
Carlo Alexandre é quebradeiro da 4a edição