Confesso, quando recebi o convite tremi, entrei em pânico como todo desafio que recebemos e temos que enfrentar. Mas o guerreiro não foge a luta e também ao bom combate, apesar que aqui não se trata de um combate, representa apenas como um colóquio, uma partilha do sensível, uma comunhão de ideias. Entretanto, como não sou nenhum doutor, homem de carreira acadêmica, sento-me junto aos meus parceiros palestrantes como outsider, vou apenas discorrer pelo campo da minha experiência artística e pesquisa sonora e meu contato com o universo da palavra de forma intuitiva e muitas vezes caótica. Impulsionado por este caos criador, criei minhas narrativas e meu ritual de passagem, para o estagio de uma pré-cidadania, poderemos dizer assim.
Por que um artista talvez nunca seja um cidadão em seu sentido pleno, de fato o artista sempre anda por fora da dimensão social, mesmo sendo sua arte um instrumento de provocação e reflexão para uma mudança política, sendo sua arte um dispositivo micro-politico como afirma Michel Foucault, sabemos que vivemos numa sociedade, em que predomina vários resquícios de conservadorismos e preconceitos de todo tipo.
Portanto, posso afirmar que esta relação com o fenômeno da linguagem me garantiu uma civilidade e sobretudo, uma condição de humano – com este fazer poético pude garantir minha humanidade. Mesmo vivendo numa sociedade que tenta a todo custo a firmar a minha desumanidade.
Estar em cena com a palavra sempre foi um desafio, no sentido de construir-me em primeiro plano como sujeito e depois como artista. Outra dimensão que me norteia, me organiza sem duvida é o fenômeno rítmico.
Costumo dizer que sem estes dois fenômenos criativos: o mundo da palavra e a textualidade rítmica – “eu seria apenas um cadáver” um poste sem luz, um trem fora dos trilhos, um corpo sem alma, no entanto, um espirito sem destino. Alma aqui entra como sinônimo de discernimento. O ritmo nos tempos da infância, era uma brincadeira que me divertia, me levava a viagens celestiais e fantasias oníricas – tive sonhos intermináveis vivendo a ludicidade rítmica. Depois esta experiência, veio se tornar uma grande aliada no meu desenvolvimento humano em interação com a arte da palavra. Mudando a afirmativa bíblica que no inicio era o verbo – poderemos dizer que no principio era o ritmo. Que a tudo deu movimento e vida.
Seguindo a perspectiva de Octávio Paz, pegando como exemplo o livro: “Signos em Rotação“ onde ele vai dizer de maneira categórica: O ritmo não só é o elemento mais antigo e permanente da linguagem como ainda não é difícil que seja anterior à própria linguagem. Em certo sentido, pode-se dizer que a linguagem nasce do ritmo. Assim todas as expressões verbais são ritmos sem exclusão das formas mais abstratas ou didáticas da prosa. Afirma, Paz. Acrescento, deposito mais uma fagulha, creio que não existe expressões artísticas que não sejam contaminadas pelo o espirito do ritmo, ou vida que não receba sua influência e contaminação. Sim, porque somos todos contaminados pelo ritmo, ritmos são forças dialéticas, que ocupam tanto o mundo real como simbólico. Em Mario de Andrade, isto fica bem claro no livro: Uma Pequena Historia da Musica brasileira ou senão no livro: Namoro Com a Medicina, no qual Mario vai falar das consequências do ritmo. De sua importância para a cultura e as linguagens artísticas. Costumo dizer que vivemos num processo de ritmofagia somos todos engolido na atual sociedade por ritmos de toda espécie.
Por outro lado, na atual sociedade contemporânea, Em um tempo do “Amor Liquido” trazendo, Zygmunt Bauman para este debate na qual afirma que as relações humanas estão cada vez mais flexíveis, gerando níveis de insegurança que aumentam a cada dia. Consequentemente, para esta crise da modernidade liquida, o ritmo é de suma importância para que possamos reinventar nossos modos de viver e nos relacionar, dar e receber – em busca da justa contribuição para exprimir gratidão. Ousemos nos colocar num campo de abundância – especialmente em tempos de escassez.
Como afirma Drummond no poema: Os Ombros Suportam o Mundo, “Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil.“ estamos sendo tragado por um tempo sem amor.
Poderemos, utilizar o Tambor como um arquétipo, como metáfora, como um signo catalizador de energias que transforma as emoções e res-significa sentidos, desta forma, o ritmo faz: a incrível conexão ancestral entre o material e o imaterial, a realidade e a imaginação, entre o espiritual e o carnal, entre o novo e o velho. Separando-nos da ancestralidade por meio do tempo.
Sendo o ritmo uma maneira de contar o tempo em seu sentido musical. Mas o ritmo é mais do que contar compassos e medir metro, metro não é sinônimo de ritmo, ambos são coisas distintas. Metro é medida, ritmo é fruição.
Acredito, que com a criatividades dos ritmos, como linguagem poética e fenômeno agregador possamos utiliza-los como um ritual de passagem para uma cordialidade social e uma convocação para uma intervenção que desconcerte nosso isolamento contemporâneo – dentro desse velho sistema em colapso,
Para finalizar uso aqui, já que estamos na semana de Corpus Christi, uma imagem teológica trazida por José Miguel Wisnisk que ilustra o livro: o som e o sentido, Wisnik, cita Santo Agostinho, quando compara, jesus a um tambor, pele esticada na cruz, corpo sacrificado como instrumento para que a musica ou ruído do mundo se torne a cantilena da graça, holocaustos necessário para que soem as aleluias. Este tambor crístico na tentativa de eliminar nossas falhas, e glorificar nossa Gloria. senão como afirma o antropólogo e poeta Antônio Riserio, em ORIKI ORIXÁ, os tambores como um axé na cosmologia dos orixás tecendo o profano e o sagrado. Textos criativos, tambores falantes que tentam imitar a voz humana, já que a fala é o melhor espetáculo encenado pelo o ser humano. Na certeza de que, quando os tambores tocam: tocam por causa da fé, do amor e da liberdade. Nesta ritualidade, as máscaras caem, dando origem, à uma nova narrativa. Obrigado.
Babilak Bah é artista do ruído, poeta e arte-educador
Este texto foi elaborado para o Fórum das Letras que acontece na cidade Ouro Preto – Literatura em Cena: Rituais, Máscaras, Ritmos de Contato e Narrativas da Origem
Ilustração feita a partir da “partitura” da Music for Airports, de Brian Eno