A foto projetada na tela era a de uma casa de taipa, dessas que só se encontram longe da nossa realidade urbana. Foi assim que o Salgado Maranhão começou a sua aula, nos contando com simplicidade, calma, elegância e um imenso amor pela vida, a sua origem pobre nesta casa que ajudou a construir ainda pequeno, lá em Baixão Verde, no Maranhão, onde viveu até os 16 anos. Sem luz elétrica, sem o pai, que era um homem branco importante na vida pública, sem escola, sem médico, sem registro de nascimento, sem nenhuma assistência e sem mediação de conflito, pois não havia polícia e os conflitos eram resolvidos a bala.
Salgado falou de sua mãe, de seu pai, das oportunidades que não devemos apenas esperar, mas reparar, pois elas estão sempre aí. Falou de como foi salvo pela Biblioteca Pública, ainda bem jovem em Teresina, e de como se sentiu escolhido pela poesia. Afirmou: “tudo em mim foi para proteger a poesia”.
Respondeu as perguntas dos quebradeiros, de como sobreviveu a ditadura sendo pobre, negro e estudante da PUC aqui no Rio nos anos 1970. Falou do que é ser negro no Brasil, de como ama e respeita as mulheres, do valor da educação, do caráter, da importância das escolhas, da sua crença na transcendência, da filosofia oriental e até da sua sobrevivência como terapeuta corporal e massagista.
“Minha mãe tinha inteligência espiritual. Minha mãe era parteira, quando precisava costurava as feridas das pessoas com a sua agulha de costureira, costurava as vísceras. Era um mundo extremamente primitivo. Eu trabalhei na agricultura desde pequeno, vi o milagre das sementes, trabalhei na plantação. A poesia popular, o cordel, me salvou. A minha mãe era louca por cultura popular. Tinha parentes cantadores, repentistas, que vinham na minha casa. A capacidade de memória deles era incrível. Os cantadores que eu conheci na época eram de altíssimo nível sintático, grande capacidade de observação, com linguagem sofisticada e acessível.” Salgado Maranhão citou Otacílio Batista, Azulão e um poeta que sabia o Gênesis de cor!
Aos 16 anos, Salgado já era arrimo de família, e junto com o irmão sustentava uma casa cheia, pois “nordestino não nega um prato de comida”. O poeta aconselhou os quebradeiros: “O mais importante é ter foco, ter paixão, ter disciplina e ter paciência. Aprendi isso na plantação.”
Ele contou ainda que era um garoto quieto, que fugia do trabalho para ir à Biblioteca Pública ler. Descobriu então um livro de capa verde e vermelha, cores de Portugal, que foi então aos poucos decifrando, de um tal Álvares Campos. Depois descobriu que se tratava do poeta Fernando Pessoa, que ele nunca tinha ouvido falar. Os Lusíadas, leu por inteiro, mesmo sem entender direito. Ele podia sentir o ritmo da poesia.
Aos 19 anos foi entrevistar Torquato Neto. Ficaram amigos. “Ele me apresentou à poesia concreta, a João Cabral e me aconselhou vir para o Rio de Janeiro. Assim, Salgado Maranhão veio estudar na PUC, e conquistou a oportunidade de dominar uma linguagem, um discurso. Ele disse: “A poesia é o discurso da libertação, é a fala do coração, fala da dor profunda, aquilo que não pode ser dito, é além do discurso racional, e é isso que as pessoas querem. E além do mais, é a coisa mais barata do mundo, basta um papel e um lápis.Vindo do interior, sendo arrimo de família, o que me sobrou foi uma folha no mar e eu fiz a oportunidade, observei, aproveitei, e transformei essa folha no meu navio.”
O poeta contou que a cultura oriental potencializou o que ele já trazia do interior. Afirmando que ser humano é o ser da transcendência, diferente dos outros animais, e que a arte eterniza o homem. “Como negro e pobre eu nunca tive inibição”, disse o poeta. “Nunca me coloquei como negro, mas como gente. Antes de ser negro sou gente, poeta e indivíduo de cabeça erguida.”
Para encerrar, Salgado Maranhão disse: “O mundo de hoje é de uma alegoria sem fim, hoje a vida está mais fácil, tem mais meios. A folha no mar está sempre aí, basta observar e fazer dela o seu navio.”
Por Rute Casoy – Assistente Pedagógica da UQ – 13 de abril de 2013