Sarau das Quebradas

E como é de praxe, logo após o Território das Quebradas, a Casa do Estudante Universitário se transformou em um animado sarau com a apresentação contagiante dos Quebradeiros. Performances, música e muita poesia fecharam com chave de ouro a última terça-feira de agosto.

Aqui, um pouquinho do que rolou nessa animada mostra de arte e criatividade:

 

A primeira apresentação foi da quebradeira Graça Carpes, que nos transportou para o ano de 1500 com uma performance exótica e sabor de território, através do texto PALAVRA:

Sempre que penso em meu país, tento imaginá-lo no ano de 1500, quando os portugueses aqui chegaram.

E busco também imaginar a dor da violência, sobre sua cultura e  palavra.

Pois que é a PALAVRA…  A sonoridade mais íntima.

Ora, aqui se falava TUPI e lá em Portugal, nem tanto PORTUGUÊS eles falavam.

Pois que no século XVI  eles falavam E S P A N H O L A D O.

Aí, descubro a importância da PALAVRA, também na memória das coisas.

SE NÃO SEI FALAR TUPI COMO PODEREI IMAGINAR UM BRASIL DO SÉCULO XVI…?

Ora, pois que aqui, penso, nenhum de nós…

Talvez… Nenhum de vocês consiga agora, em P A L A V R A  ouvir a dor do tempo;

a dor de um tempo em 1500,

em um lugar VERMELHO… Em PELE.

A  sonoridade

da DOR DO ESTUPRO,

de um PAÍS INTEIRO!

 

mononguére     nehí     mononguére

mononguére     mononguére  nehí  mononguére

 

Os “entre-atos” ficaram por conta do quebradeiro Vagner Lima, com poesia e dinâmica dando fluidez e um ritmo cotidiano assim como relata em sua leitura mais aclamada pelos colegas:

CORRERIA

Depressa!

Preciso correr se não vou me atrasar!

Tempo é dinheiro

E o tempo é curto.

Depressa!

Já estou atrasado!

Me alimento no caminho

Vou ao médico depois…

Mais que droga!

Tudo parado: um acidente terrível!

Três carros, dois ônibus, uma moto e quatro pedestres envolvidos.

Como tem gente apressada, meu Deus!

DEPOIS DOS COMERCIAIS

Depois dos comerciais
Seremos verdadeiros com nós mesmos
Depois dos comerciais
Amaremos de verdade nossos irmãos
Depois dos comerciais
Não seremos demagogos
Depois dos comerciais
Não seremos hipócritas
Depois dos comerciais
Agiremos com o coração
Depois dos comerciais
Venceremos todos os males,
Todos os medos…
Depois dos comerciais
aprenderemos nossa história
Depois dos comerciais
Leremos Macunaíma
Depois dos comerciais
Faremos amor
Depois dos comerciais
Faremos a revolução
Depois dos comerciais
Quebraremos tudo!
Depois dos comerciais
Largaremos as drogas,
As guerras e os preconceitos
Depois dos comerciais
Seremos capazes, teremos coragem
Depois dos comerciais
Nenhuma criança passará fome
Ou pegará numa arma
Depois dos comerciais
Dividiremos a água e o pão
Depois dos comerciais
Desligaremos a televisão.

CASA GUARDA-CHUVA

Passei e fiz que não vi, mas vi.
A casa era aquela, era ela, aquela era a casa.
A casa guarda-chuva era.

Não me viu também, pois vi que não viu, e não vi quem era…
Só sei que era ela a casa,
A casa guarda-chuva era.

Só vi um pé: pé sujo e preto era
Que nem na casa, a casa-guarda-chuva, o pé preto dava.
A casa guarda-chuva era.

A extensão da cobertura saliente pouco era.
As paredes dos vizinhos, o papelão do lixo, o lençol rasgado
– era tudo complemento da casa!
A casa guarda-chuva era.

Mas o que a casa-guarda-chuva tinha?
O que além do corpo daquele pé sujo e preto guardava ela?
Pão, água, pente, centavos, medos, angústia, fome, solidão…, o que era?
A casa guarda-chuva era.

TRABALHO DE PARTO

Trabalho de parto!

Não era esperado,

Bebê que nasce na rua!

Sangue, dor, suor, mulher semi-nua.

Hospital sem vaga!

(Sem leito, sem médico, sem isso, sem aquilo, sem nada!)

Pobre Mulher que com peito dá leite,

Com mãos segurança, amor e afeto – mesmo sem teto.

Cortou seu vínculo maternal com a Pobre criança…

Criança que sai da segurança da água

Para insegurança quase que total.

Embora, mesmo com tudo isso acontecendo perto de um ponto,

a sábia Biologia nos dá noradrenalina e serotinina,

que compõem a felicidade do encontro.

 

Noélia Albuquerque, umas das quebradeiras integrantes da mesa do Território, que ainda participou do sarau com um conto de sua própria autoria A HISTÓRIA DE MARIA.

“O tempo é revelador bastam 7 minutos,

O tempo é fixador bastam 3 minutos,

Cala a memória

O tempo é um beijo

Uma imagem de amor

Fala à história:

Já passou!”

Noélia Albuquerque

Mas, o que vou contar pra vocês é a história de Maria. Maria e fotografia, amigas na prosa e rima. Houve um dia em que Maria ganhou uma câmera fotográfica e saiu por aí a fotografar o mundo. Recortou o mundo aos pedaços, aos retângulos, quadrados. Click,Click,Click!

Só que chegou um dia em que Maria não tinha mais mundo. Havia feito dele todo,  fotografias. Então, foi buscar sua caixa de fotografias e olhava a cada uma nostalgicamente. Tirava da caixa, olhava e suspirava, tirava da caixa, olhava e suspirava e assim sucessivamente com todas as fotografias. Só que chegou um momento em que Marianão tinha mais fotografias, não tinha mais mundo,Maria não tinha mais nada.

Foi neste dia que ela deu um longo, profundo e último suspiro.

Tetsuo Takita, que também participou da Mesa IV Território das Quebradas – Mídia e Imagem Olhares da Periferia, dissertando sobre o tema: videos autorais na era YouTube, voltou ao Sarau com uma ácida crítica ao imperialismo Americano:

Através da cena The Eagle A Águia, onde interpretou o símbolo dos EUA, vestido com um figurino com asas e maquiagem representando uma arrogante Águia, que humilhava os presentes na sala cruelmente… Até que no telão aparecem cenas do terrível ataque de 11 de setembro de 2011 a NY, e então a personagem deixa a arrogância antes tão exacerbada e se humaniza.

Ao final da surpreendente apresentação, o quebradeiro Tetsuo que também é Ator e Poeta e estudou na Martins Penna, renasce das cinzas manipulando um boneco, que canta um trecho da música Comida, da banda Titãs. Este boneco chuta uma bola e grita: – ”Brasil zil zil!!!” E representa uma criança feliz, que completará 11 anos em 11 de setembro, nascida na periferia de um país do 3o mundo que apesar dos pesares enxerga um futuro positivo de um melhor com muita arte, amor no coração das pessoas e sem guerra.

E ainda muito mais, no próximo post…

Texto: Jessica Lagrota

Foto: Suélen Brito