Ô seu moço o sinhô pode me dizer o que aconteceu?
Por causa de que eu durmi menino e acordei viajante e passano por essas terra me dei conta de que perdi muita coisa.
É, encontrei uns trem estranho na cangalha deixada por meu vô: Um sorriso triste, um canto de olho, uma prosa muda e um sonho dobrado. Daí, saí andano meio acordado como que num revertério, quando um passarim me falô que eu haveria de pricisá trocar essas coisa pra entrá na cidade.
Vida de viajante, seu moço, é vida de rebosteio. Só trago na matula essa trenhada que vô deixô. Se vou asesquerda ponhá o sorriso triste, se vou asdereita, o canto de olho. A prosa muda aquele passarim me falou que ia morar ne mim um bocado de tempo pramodi as paisage da viage. Mas, o sonho dobrado ele falô que é coisa pra visage.
Uai, mas que bisurdo! Num é de ver que quanto mais eu ando ao invés de disdobrá, o sonho faz é ficar mais dobrado sô. Mais quá! Causa de quê eu não entendo tanto furdunço.
Assunta seu moço; troquei meu cavalo por nome Disco voador, num pá de butina pramodi eu andá a pé com os viajante que nem eu, que durmiu minino e teve que acordá viajante, cê sabe. Pra vê se trocava esse sorriso triste por outro mais animadim, esse canto de olho por um zoião chei de brí, e a prosa muda pela cantoria, igual passarim. Seu moço, tô pra ver uma disgracêra maió. Óia, num é de vê, que mesmo seno tudo viajante eles tão dando um jeitim de ficar apartado? Ninguém mais qué andá pariado. Vixe! E eu descubri, que eles tudim também tem sonho dobrado. Recordei que o passarim falô que eu haveria de ficar mais bocó com a viage, mas…eu num pensei que era tanto. Ah nêm! Meu sonho ficou de fianca. Quem vai ajudá eu disdobrar ele? Já fui até nos dotô, mas inté eles diz que enquanto a prosa tiver muda num vai tê jeito não.
Ô seu moço, o sinhô conhece quem é bom de prosa pramodi me ajudar nessa treta?
O passarim cantô: Aruanda. Viva os marinheiros!
E como que num piscá de ôi os viajante tudo virô marinheiro. Meu pá de butina virou dois remo e agora nós tudo vamo de barco. Ê mundão de meu deus, do meu, do seu, de cada mulequêro. De viajante virei marinheiro.
Diz a lenda do Moço passarim que marinheiro quando se ajunta no mesmo barco se alimenta de caridade. E num é de vê que nesse barco eu assunto as idéia de trocar o sorriso, o olhar e até mudá a prosa! Ê trem bom sô!
Mas…e o sonho dobrado? Marinheiro falou que o barco vai indo levar pra única alma que pode disdobrar. Mas, marinheiro maroto que nem eu, que nem você, que nem nós…num há de guentar chegar lá pra saber quem vai disdobrar esse tróço uai.
É quando surge a visage: o céu se rasga e eu vejo, você vê, nós vemos: É a cidade que passarim moço falô! Muita rua, muita gente, muito cimento e pouco chão. Carro que sobe, avião que nada, e grito brotano como ladrão. Deusolivra! Tem anjo morrendo na esquina, e até flor pindurada no carro, sendo rastada no jardim de pedra.
Passarim cantô de novo: Aruanda! Flôr de Claudia se espaiô. Semente boa pra modi marinheiro samiá na cidade.
Nessa hora marinheiro chorô.
Tem na visage duas mão disdobrando os sonho dos marinheiro viajante. Crémdeuspadre! As mão piquinininha demais da conta, que quase nem dá pra ver.
Péra! Escuta que marinheiro qué falá. Dizendo que tem lá dentro da cidade, duas mãozinha que sabe desdobrar sonho. Piquininha por demais as mãozinha. Óia, é mão de criança! É, e as mão tá suja.
Péra, marinheiro tá falano. As mãozinha tá suja, de terra e de cor. Mãozinha que brinca, que pega na nuvem e na grama. Essas mãozinha hão de disdobrar os sonhos das cidade tudim! Mas, pra isso os marinheiro tem que voltar a prosear. Samiá as semente dos “ pé de Claudia” e voltá a remá!
Simbóra Povo D’água, vamo remá! Tem muito sonho de tanta gente, pros minino disdobrá. E o que a gente faz, é só levar!
Juliana Barreto é quebradeira da 4a edição