Imaginação e realidade saíram das páginas dos livros para o debate da última quinta-feira. A subida literária à Rocinha reuniu escritores e quebradeiros para falar sobre a importância da leitura na relação e formação das pessoas. Paulo Scott, Ronaldo Ferrito, Victor Paes, Clovis Bulcão e Aderaldo Luciano usaram a cidade do Rio como pano de fundo para discutir a situação atual do Brasil e falaram de suas próprias relações com os livros.
O gaúcho Paulo Scott abriu a roda falando sobre o que há de parecido entre a sociedade gaúcha e carioca. A malemolência dos moradores da Cidade Maravilhosa torna o povo simpático e divertido, mas muitas vezes disfarça problemas sérios. O racismo, por exemplo, faz parte da realidade da capital fluminense, contudo é maquiado para parecer inexistentApesar de não ser uma vantagem, Scott contou que seus conterrâneos demonstram o preconceito claramente e que isso, por mais vergonhoso que seja, ao menos mostra quais instituições, personalidades e paradigmas precisam ser mudados.
Ex-professor de Direito e atualmente escritor premiado, Paulo Scott viu seu pai, negro, ser recebido com honra na associação mais conservadora do RS para ver seu filho ganhar o Prêmio Jornal O Sul / Câmara Rio-Grandense do Livro / Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
Já Ronaldo Ferrito, ensaísta, poeta e editor da Confraria dos Ventos compartilhou a experiência de ter um livro publicado em outro país. Este ano, o convidado lançou uma versão de sua obra A Via Excêntrica (2010) na Galícia, região de influência lusófila na Espanha. Segundo ele, a Europa incentiva e valoriza o mercado dos livros, atitude que ainda não se fortaleceu no Brasil e dificulta o trabalho dos escritores.
Victor Paes dividiu com os quebradeiros um pouco de sua infância e de suas impressões sobre a vida de internauta. Se não fossem as aulas e o interesse irresistível em passar as tardes lendo, Victor provavelmente não seria hoje autor de contos e poesias. Ator, escritor e editor, ele acredita que as redes sociais, tão populares na internet, sejam responsáveis por uma falsidade combinada, em que todos querem ser “bonitos”.
Numa política de “me curte que eu te curto”, amigos de facebook ficam horas na frente do computador buscando um minuto de atenção entre milhares de fotos e assuntos que se multiplicam na rede. Crianças e adolescentes agora matam aula para viverem a realidade virtual, enquanto a leitura fica cada vez mais esquecida.
Também dedicado aos livros, Clovis Bulcão contou um pouco de sua experiência não só com a literatura, mas também com a educação. Depois de já ter lecionado em instituições privadas e públicas, o convidado falou sobre as dificuldades que professores enfrentam nas salas de aula.
Num país que possui uma educação tão defasada e desigual, os que podem pagar colégios particulares exigem aprovação a qualquer custo, enquanto os alunos com problemas de aprendizado das escolas públicas são empurrados pela aprovação automática. O descaso com que o ensino brasileiro é tratado e visto prejudica o desenvolvimento do país e, claramente, a formação crítica de cidadãos.
Por último, Aderaldo Luciano, autor de inúmeras obras, entre elas Apontamentos para uma História Crítica do Cordel, comentou o preconceito da academia em relação à literatura de cordel. Muitas vezes tratado como “não literatura”, o cordel é parte da história do Nordeste brasileiro e exige conhecimento e talento de seus autores. Entre rimas bem feitas, assuntos e problemas cotidianos da vida do povo brasileiro são representados e criticados.
Escritores e quebradeiros trocaram conhecimento e experiência de vida. Histórias de quem esteve sempre ligado aos livros e de quem luta para ter acesso a eles se cruzaram para mostrar a realidade ainda desigual, mas evolutiva do nosso país. A passos lentos, caminhamos para um ensino justo e eficiente.
Por Júlia de Marins – Bolsista PIBEX/ECO – 27 de maio de 2013
Foto Jussara Santos