Um jovem e seu desejo de conhecer a cidade, por Felipe Araujo

Eu moro no Rio de Janeiro e, pra quem não sabe, aqui nós temos uma coisa chamada Passe Livre. O Passe Livre é um direito conquistado pelos estudantes, e com ele podemos botar em prática o artigo 5o da Constituição, que resumimos como “o direito de ir e vir”. Ou seja, os estudantes não pagam passagem. No Rio, esse direito é válido apenas para alunos da rede pública de ensino — Fundamental e Médio.

Agora vocês imaginem: um jovem pobre, que mora numa região com poucos serviços culturais, mas que tem o direito de ir pro shopping, pra praia, pra casa de outro amigo, visitar uma tia etc. Esse jovem tem na mão um grande instrumento de desenvolvimento pessoal, pois pode se apropriar de vários tipos de dispositivos de sua cidade.

E era exatamente isso que eu fazia. Percorria toda a cidade. De Copacabana a Paciência. De Nilópolis ao Méier. Até os meus 17 anos de idade, circulei muito pela minha cidade. Conheci muita gente, muitas praias, muitas bibliotecas, cinemas. Conhecer outros lugares ampliava meu modo de ver o mundo. Percebi por exemplo, que em uma única rua de Botafogo, a Voluntários da Pátria (bairro nobre de minha cidade) tinha mais cinemas que em toda Zona Oeste, região onde ficava a favela onde eu moro.

Mas acontece que eu terminei o Ensino Médio. E com ele muita coisa virou mero passado. Minhas amizades foram ficando mais distantes. Nossas diversões: jogar RPG no bosque da praça 1o de Maio, sair da aula e ir pro shopping de Madureira encontrar a galera que curtia rock, ir pro cinema que tinha dentro do shopping Carioca (quarta-feira custava 3 reais a meia-entrada), pegar um ônibus que não me servia, só porque alguma menina linda havia entrado nele… Essas coisas são de uma época que não existem mais.

Ficou também no passado andar de ônibus de graça. Essa foi uma das coisas mais difíceis de eu entender. Pensem num jovem que passou 17 anos de sua vida usando sua camisa da escola como “vale transporte”, ter que passar a desembolsar dinheiro para se locomover…

Foi perrengue. Comecei a sair menos, ver menos meus amigos, ir menos ao cinema, ir menos à praia.

Percebi que precisava de um emprego. Mas até pra arrumar emprego eu precisava de dinheiro de passagem, e nem sempre eu tinha. Foi uma fase difícil.

Daí comecei a trabalhar, e percebi que cerca de 30% do meu salário era gasto com passagem. Aquilo me indignava.

Minha mente de jovem pensava: “Ônibus devia ser de graça, afinal, tá na Constituição”.

Mas ninguém nunca me ouvia, dizia que era impossível. E toda vez que a passagem aumentava, via os adultos apenas reclamando.

Hoje já me acostumei a pagar pelo transporte. Mas já fico imaginando o quanto terei de gastar pra meu filho ter a mesma oportunidade que eu de se apropriar da cada local da cidade.

Felipe Araujo – artista de rua, quebradeiro, estudante de Filosofia da UFRJ, militante da Juventude Marxista do Rio de Janeiro – RJ e jovem que considera importante percorrer todos territórios

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