Texto escrito por Pedro Diego Rocha
Como viver no capitalismo sem dinheiro? Como tirar aquele projeto do papel sem recursos? Perguntas que, aparentemente, assustam, ainda mais em tempos de crise. Sob esta ótica, o artista visual e professor da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), José Miguel González Casanova, criou o Banco dos Irreais: iniciativa criativa que busca o encontro e compartilhamento de práticas e conhecimentos interpessoais sem envolver quantias, pensando, assim, em caminhos para se seguir fora do capitalismo, em uma economia baseada na doação. Com linhas de pensamento semelhantes sobre trocas de saberes, a Universidade das Quebradas une-se a esta ação em uma parceria, na qual o tempo transforma-se em dinheiro, ação e realizações.
A ideia de José Miguel trata-se de um banco de tempo, hospedado em um site, onde os usuários, chamados de correntistas-banqueiros, cadastram perfis com suas especificações e doam uma hora (ou mais) de atividades e/ou experiências, ganhando, assim, um irreal (nome da moeda criada para a ação), que pode ser trocado por outras horas de ocupações e práticas de outras pessoas. Enquanto alguém se cadastra para oferecer, por exemplo, três horas de produção cenográfica ou corte e costura para figurinos, outra pessoa, interessada nestes serviços, em troca, pode ministrar aulas de teatro ou montagem de palcos.
As alternativas são inúmeras e têm como objetivo a permuta de saberes e experiências, sejam eles profissionais ou adquiridos via bagagem de vida. Cabe aos acionistas saber como garimpar os anúncios no banco e aproveitar as oportunidades. É possível também cadastrar projetos de diversos tipos e reunir diversos profissionais para acioná-los, em uma espécie de mutirão. E há a opção de se trocar objetos pelo tempo dos correntistas. Em visita à UQ no último dia 12 de abril, primeiro dia de aulas, José Miguel explicou o funcionamento do site, convocando os quebradeiros a acessá-lo, criar um perfil no Banco dos Irreais para se tornarem parceiros e, desta forma, poderem fazer uso das oportunidades nas periferias da cidade.
“Estou convidando vocês a criar este princípio de economia. Na universidade, o compartilhamento do saber produz mais saber”. Segundo o artista, privatizar o conhecimento não o faz multiplicar, mas a troca dele com outras pessoas, sim, em uma economia na qual se faça mais a doação na circulação da informação. “Acho que o dinheiro virou o fim de acumulação e as pessoas, o meio para a multiplicação”, explica ele, afirmando, que, neste caso, é uma alternativa para viver sem dinheiro, ou pelo menos, em um sistema que não seja capitalista nem centralizado. “Um irreal tem o valor de uma experiência e todas as experiências têm o mesmo valor, porque se não pode quantificá-las”.
Em residência com o Banco dos Irreais no Museu de Arte Moderna do Rio (MAR) até agosto de 2016, José Miguel conta que tomou como uma das referências do artista para criar sua pesquisa artística o tumin (dinheiro na língua indígena dos totonaca), moeda de troca mexicana criada pela Universidade Veracruz, usada por produtores, acadêmicos e prestadores de serviço de lá. As propostas que José Miguel organizou combinam com muitos dos pensamentos que a UQ têm em vista.
Lugares de reconhecimento, mapeamento e pensamento
A assistente pedagógica da UQ, Renata Codagan, conta que foi observada no Banco dos Irreais uma possibilidade de mapear o curso. Este tipo de censo já havia sido pensando em um trabalho feito pelos quebradeiros em 2013 e exposto no MAR, no qual um desenho de linha férrea identificava onde estava a massa quebradeira. “De lá para cá, esse olhar de mapeamento se tornou importante, até mesmo porque hoje temos uma preocupação grande, uma necessidade dos quebradeiros que estão chegando com o mercado de trabalho em elaborar projetos, e a gente não tem esse gancho específico. A UQ tem um gancho específico com o saber, com a academia, não com o faturamento”, comenta ela, explicando que, de alguma forma, a UQ queria ajudar os alunos neste caso, pois, assim, facilita-se o processo do aluno que já está na estrada.
De acordo com Renata, nas quebradas, os alunos não são vistos como alguém que veio para apenas receber. “A gente trabalha com a troca da ecologia do saber, então, a universidade está recebendo e também está trocando no saber”. Ela aponta também, no Banco dos Irreais, uma forma de ativar a rede de contatos, seja para troca de informações profissionais ou para qualquer outro assunto. “Vimos nele um lugar de troca, de reconhecimento. Se a gente consegue colocar mil quebradeiros neste projeto, vai virar um lugar de referência para a UQ”. Um exemplo disso é o caso de alguém pedir indicações de produtores culturais. Com o cadastramento de quebradeiros no Banco dos Irreais, o site torna-se um agregador de possibilidades para que os talentos possam ser vistos.
“Ele traz uma proposta de você produzir seus projetos. Quando a gente pensa ‘não tenho dinheiro’, vai sentindo que as nossas ideias são inviáveis. O Banco não resolve todos os problemas, mas talvez viabilize um monte de coisas que se pode trocar. Nesse lugar, a ideia está muito próxima do banco e da UQ na questão da troca, da ecologia do saber. O projeto é focado na troca que leva à ação e a UQ está na troca que leva ao pensamento. E tem-se a possibilidade de ativar ações. A academia tem essa coisa de virar tese e ficar lá no banco. A nossa preocupação é que vá além: tenham as teses, pensamentos, as trocas, que a gente ative as ações. E vimos o Banco dos Irreais como um grande parceiro”, reafirma Renata.
Quebradas no Banco dos Irreais
Alguns quebradeiros que têm projetos próprios também viram familiaridade de suas ações nas propostas do Banco dos Irreais. É o caso de Valeska Xavier, que desenvolve um trabalho chamado Feira de Trocas Solidárias, um espaço que estimula trocas de saberes, afetos, serviços, objetos e sabores sem o uso do dinheiro, promovendo um ambiente de convívio solidário e cooperativo nas comunidades. Ela conta que a feira busca também estimular novas formas de sociabilidade fundamentadas no afeto e na solidariedade, valorizar os saberes populares e provocar reflexão sobre o consumo ético, contribuindo para mudanças de atitude relacionadas ao consumo. A Feira já foi realizada em vários espaços de convívio solidário, como o Museu de Arte do Rio (MAR), EDI Moacyr de Góes, Feira Agroecológica, Colônia de Pescadores Z10 e Feira de Trocas da Ilha do Governador.
Valeska conheceu o Banco dos Irreais por meio da UQ, onde está desde o segundo semestre de 2015. Ela cita outros quebradeiros, como Renata Codagan, Edgar Siqueira, Gzus Lima, Aline Oliveira, Marcelo Ostachevski, Jaqueline Gomes, Jessé Rodrigues e Camille Rodrigues que também estão neste processo da parceria que está se firmando com a iniciativa de José Miguel (e os outros que vão aderir, como ela diz). Para Valeska, o banco pode se transformar em uma importante alternativa de sustentabilidade das ações culturais, tanto para os quebradeiros, quanto para qualquer pessoa que acredita na ideia.
“A troca de tempo, sem o uso do dinheiro, cria uma nova relação entre as pessoas, na qual a cooperação e a solidariedade são os valores primordiais e todos são iguais na capacidade de transformar seu tempo em ação útil para as pessoas, individualmente, e para os projetos socioculturais”. Valeska conclui afirmando que a proposta é extremamente democrática e contribui na construção de uma economia colaborativa que pode abraçar toda a cadeia produtiva da arte e da cultura, trazendo alternativas de sustentabilidade para as práticas culturais. Sobre a pergunta oficial do projeto (Como viver no capitalismo sem dinheiro?), José Miguel diz que não tem uma resposta, mas acredita que todos podem compartilhar e achá-la juntos.