A Academia Endemoniada, por Vitor Nascimento

As aulas, as experiências, as pessoas que estou conhecendo através da Universidade das Quebradas têm me servido de fonte de inspiração e eu agradeço a todos por isso. Escrevo na tentativa de concretizar ideias que me rondam a cabeça há algum tempo, e ver que mais pessoas pensam parecido, me animou a chegar a essas palavras.

Tenho percebido uma forte tendência a um processo de endemonização do que chamam de Academia. Entendo a existência de diversas falhas estruturais por parte do governo que levam a um sistema de educação extremamente precário (em especial a educação pública) em nosso país, o que, por sua vez, promove o afastamento de uma grande massa dos centros de saber formal. Percebo também, a constituição de uma classe (pra não dizer corja) de ditos intelectuais arrogantes e prepotentes ilhados em instituições de ensino empedradas e devidamente gradeadas, que deixam claro o seu propósito excludente. Essas são restrições impostas por medo de uns, ignorância de outros, manutenção de poderes, politicagem (porque política não é isso) e, acima de tudo, falta de educação (por mais paradoxal que isso possa parecer).

É com satisfação que, apesar desse cenário, vemos despontar diversas iniciativas que, a seu modo, suprem essa carência com sucesso e promovem o bem-estar social, como verdadeiras insurgências em resposta às faltas do sistema.

Contudo, me preocupa o discurso de alguns dos agentes sociais responsáveis por essas iniciativas, no sentido de condenar a Academia na medida em que lutam contra esse cenário amplamente desfavorável e já que muitos atingem objetivos e superam expectativas sem ela. Porém, é preciso tomar cuidado, em especial no que se refere aos jovens, pois o conceito de Academia é muito mais abrangente que os pseudo-intelectuais e as paredes segregadoras das universidades. Curiosamente (mas não por acaso), vejo refletido nas obras desses agentes sociais ensinamentos e filosofias desde Sócrates e Platão, passando por Maquiavel e Marx, até Bauman e outros pensadores contemporâneos. Isso é Academia. Que, aliás, começou com os dois primeiros em reuniões abertas de trocas de ideia feitas oralmente embaixo de uma árvore há mais de dois mil anos.

Por isso, acredito ser imperioso refinar o discurso, pois incitar o desprezo do conhecimento acadêmico não valoriza nenhuma cultura nem grupo social, além de acabar por reforçar preconceitos e ideias fixas de incapacidade e inacessibilidade e tolher esforços na busca pela ampliação dos horizontes intelectuais dos indivíduos. E mesmo a Academia pensada no sentido físico deve ser encarada não como um local de acumulação de conhecimento inatingível, mas sim como um espaço de fomento de reflexões e debates a ser conquistado para que cada vez mais se produza capital humano-intelectual útil a uma maioria, e de acordo com as várias demandas de uma sociedade que não só é heterogênea, mas que reconhece, respeita e se preocupa com as diferenças entre seus membros. Isso é cidadania.

Sem querer incorrer num fanatismo pedagógico, creio que seja qual for a realidade de vida em que estejamos inseridos, a educação, acadêmica ou não, sempre nos fortalecerá.

Vítor Nascimento

Foto: Wikipédia