Quebradeiros no Dirceu

A panela de pressão apita, o feijão está no fogo. O barulho do trânsito é alto e angustiante. Estamos sendo levados para lares do Dirceu, maior periferia de Teresina, Piauí. Estamos, na verdade, parados assistindo ao espetáculo 1000 Casas do Núcleo do Dirceu, no Teatro Funarte Cacilda Becker, mas ao mesmo tempo em movimento naquele espaço.

O artista não era o foco principal. Não havia palco, cortinas ou nada que separasse artistas da plateia. Estávamos todos entre várias casinhas de papelão, espalhadas pelo chão do teatro. O público foi convidado a se sentar em pequenos banquinhos, enquanto os artistas, a maioria moradora do Dirceu, caminhava entre nós usando um salto alto. Homens e mulheres caminhavam, corriam e pulavam.

Ao fundo, havia dois telões, um cronômetro em contagem regressiva e outro que mostrava a reação de quem estivesse ali presente. Cada artista transportava casinhas de um lado para o outro. Alguns contavam histórias engraçadas, outros se comunicavam por olhares. De repente, todos eles estão deitados no chão, exceto um que dança a música “Vogue” da Madonna. Teve quebradeiro como o Poeta Xandu que dançou junto, porque era difícil ficar parado.

O feijão que era cozido no começo foi servido depois. A quebradeira Clarice Azul, por exemplo, se levantou para pegar o sal. A peça convidava o público a se mexer, cada momento algo diferente podia chamar atenção. Tudo acontecia em 360◦.

No final do espetáculo, houve um bate-papo com os artistas e com o diretor Marcelo Evelin. Os quebradeiros queriam saber mais sobre o projeto. “A plataforma é mais aberta, não é uma escola, mas um lugar de passagem, de troca e de encontro”, explica o diretor. Os artistas contaram que toda a casa no Dirceu, até as mais humildes, tem aquele cheiro de feijão de manhã. Por isso, era essencial na performance. O salto alto tinha a ver com a questão de identidade. Quando as avenidas do bairro não eram asfaltadas, os moradores eram identificados por seus pés vermelhos de barro, além da questão do salto ter a ver com o orgulho dos moradores e com o fato dos artistas ficarem mais desequilibrados. “Desequilíbrio é movimento, equilíbrio é inércia”, diz Marcelo. O som do trânsito era, na verdade, da rua do Catete, onde fica o teatro. O que ouvimos estava, realmente, acontecendo em tempo real.

Os quebradeiros elogiaram a peça e compartilharam o que sentiram durante o espetáculo. “Geralmente, em uma peça a gente vai para ver e ouvir, mas aqui, a gente toca, sente o cheiro, entre outras coisas. A gente pode escolher o que quer sentir, e qual das muitas imagens quer ver. Nós fomos descobrindo sons e nos sensibilizando para escutar”, contou a quebradeira Iris Medeiros.

Os quebradeiros assistiram ao espetáculo na última sexta-feira, às 15h. 1000 casas fica em cartaz no teatro Funarte Cacilda Becker até o dia 26 de agosto. Para mais informações, acesse aqui.

Por Mariana Mauro (Bolsista PIBEX – ECO/UFRJ